À conversa com: Paulo Pimentel autor do livro a “Esmeralda do Rei”
"Entendo o resultado do que escrevo como uma espécie de viagem."
Mestre nas palavras, capaz de criar um texto como quem pinta o mais belo dos quadros, Paulo Pimentel deu vida a Esmeralda, a personagem que narra e protagoniza a história do último livro de Paulo Pimentel “A Esmeralda do Rei”. Esmeralda é uma «mulher poderosa e com poder encantatório» que o autor soube transformar numa heroína improvável num tempo que remonta à época medieval, um tempo áspero, cru e cinzento, sobretudo para as mulheres. Portugal estava então sob o reinado de D. Sancho I.
Licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Estudos Portugueses e Alemães, pela Universidade Clássica de Lisboa, Paulo Pimentel especializou-se em Ciências Documentais. Foi docente e também Chefe da Divisão Sócio-Cultural na Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos.
Para além d’A Esmeralda do Rei, Paulo Pimentel escreveu ainda Os contos Serafina; Maria Ruça e Outros Contos e Do Ventre da Terra. A Esmeralda do Rei conta com a chancela das Edições Mahatma.
“Publiquei pela primeira vez um conto (Serafina) em 1997, após vencer o Prémio Literário Lindley Cintra, promovido pela faculdade de letras da Universidade de Lisboa. Não estava mesmo nada à espera. Foi uma boa surpresa, até porque vivia com o estigma de uma professora de literatura medieval que me tinha acusado de não saber escrever. Mais tarde vim a saber que ela tinha integrado o júri do concurso e senti-me vingado. Entreguei o texto no último dia e a narrativa era baseada num episódio real contado pela minha avó. Através da faculdade, tiveram acesso ao texto e a publicação surgiu a convite de uma pequena editora. Depois publiquei em 1999 uma coletânea de contos intitulada Maria Ruça e Outros Contos, um livro, na minha opinião, muito bonito, ilustrado por uma amiga que infelizmente já não está entre nós, a pintora Maria Caldas. Alguns dos textos são já de inspiração histórica e outros de motivação mais contemporânea. Quase todos eles têm a ruralidade e o imaginário rural como fio condutor, que é um universo que marca muito a minha infância e a minha primeira juventude. Em 2008, saiu o livro de contos Do Ventre da Terra, muito ligado à temática das origens e da/s identidade/s. Foram textos que me deram muito prazer escrever. O primeiro deles é narrado pela personagem principal de todo o livro, uma ameixeira velha, com a qual me cruzava todos os dias para ir trabalhar. Apaixonei-me verdadeiramente por aquela árvore centenária, que resolvi transformar na contadora de todas as outras histórias. Esse primeiro texto, que escrevi numa única noite, nasceu de uma experiência estranha que ainda hoje não sei explicar (habitualmente não sou capaz de escrever muitos parágrafos por dia). Embora narrativo, sinto-o como um (quase) poema. No verão seguinte ao da publicação do livro, essa árvore morreu numa noite de vento, depois de se partir literalmente pelo tronco, devido à quantidade e ao peso excessivo dos frutos. Era centenária. Na altura, tive dificuldades em lidar com aquele desaparecimento. Foi um momento lírico.
Em 2012, foi publicado o romance A Esmeralda do Rei, cuja narrativa incide sobretudo no reinado de D. Sancho I e que resultou de um gosto particular que tenho vindo a aprofundar pela História medieval de Portugal. A par deste romance, uma grande amiga, Catarina Gaspar, publicou o livro de poemas A Esmeralda O Rei, inspirados na personagem do romance. Foi um projeto de partilha. Esta personagem, a Esmeralda, fez parte das nossas vidas durante alguns anos. Acho que ainda faz. Dela resultou também um conjunto de peças do escultor Carlos Oliveira, que têm sido expostas em várias galerias do país. Fiquei muito grato por algumas sensibilidades que a personagem conseguiu despertar. E fiquei ainda mais grato quando algumas escolas secundárias escolheram o livro e trabalharam-no, no âmbito da disciplina de português. Foi a melhor maneira de fazer cumprir a personagem e de eu me cumprir, também, enquanto autor da história. Entretanto participei recentemente numa coletânea de contos infantis, Histórias do Vale Encantado, mas tenho alguma dificuldade em escrever para crianças.” Refere o autor.
A Esmeralda do Rei é um romance histórico que remonta à Idade Média. Apesar da ficção, há uma base real. Foi difícil levar a cabo a pesquisa necessária? Quanto tempo lhe dedicou?
A pesquisa é uma das fases que mais prazer me dá. Devido à minha vida profissional muito preenchida, aproveitava todos os momentos livres que conseguia para me dedicar a ela. Foram mais de três anos a pesquisar em bibliotecas, na net até às tantas, na Torre do Tombo. Muitos fins-de-semana em visita aos locais por onde a Esmeralda (a personagem principal) andou, percorrendo o país de norte a sul e até algumas regiões espanholas de fronteira. Precisava de respirar o ar e de sentir o pulsar daqueles lugares. Passou a ser físico. Foi uma experiência muito avassaladora e difícil de explicar. A minha família no início nem compreendia muito bem a razão de eu querer ir a certos sítios. Mas íamos todos e acabava por se tornar divertido. Há pouco tempo, por exemplo, a propósito do próximo projeto, fomos quatro dias para Toledo. Passei as tardes enfiado na catedral à procura de um túmulo.
Como se define o Paulo Pimentel enquanto autor?
Não se define. Nunca pensei nisso nem é coisa que me preocupe. Quando escrevo, faço-o num estado de verdadeira entrega. O meu processo criativo absorve-me tanta energia que chega a doer. Sei que afirmar isto de forma descontextualizada parece ridículo, mas é mesmo assim.
No caso dos textos de inspiração histórica, procuro ao máximo respeitar a História e até a língua. Sou capaz de ler um parágrafo dez vezes e alterá-lo outras tantas, até senti-lo próximo do produto final. É uma mania mesquinha e irritante, que não consigo evitar. Chego a dar-me ao trabalho de procurar utilizar linguagem de época: muitas vezes recorro a vocábulos, construções sintáticas e expressões que já não estão em uso. No fundo é fazer e ajudar a fazer uma viagem no tempo. É provocar experiências nos outros. E para mim, talvez seja um processo individual de libertação, uma fuga. Quando era pequeno, sonhava muito com acontecimentos ocorridos em épocas distantes. Ainda me acontece, embora com menos frequência.
Como carateriza a sua escrita? Tem noção de que é um autor que sabe fugir aos lugares comuns e que é detentor de uma habilidade ímpar no jogo das palavras. Fá-lo propositadamente ou essa escrita mais rebuscada é mesmo a sua assinatura?
Gosto muito do jogo das palavras. O tempo que demoro a escrever um livro não me preocupa minimamente. Gosto da experiência de usufruir de cada parágrafo, de cada capítulo, de me emocionar com as personagens, de me zangar com elas, de mergulhar até ao seu âmago, em busca do que têm de melhor ou de mais sórdido. O processo de construção das personagens dá-me um grande gozo. A partir de determinado momento, começo a respeitá-las mais e passam a ser uma espécie de ente que vive comigo. É um território que gosto de explorar, o de construir personagens, desde o plano físico, ao complexo universo da personalidade, das emoções e das relações. Entendo o resultado do que escrevo como uma espécie de viagem. São viagens no tempo, no/s espaço/s, pelo interior das personagens. Às vezes não passam de deambulações, mas a minha escrita necessita de movimento constante. E de sentido/s.
O que pensa da literatura portuguesa atual? Há bons novos autores?
Há, na minha opinião, literatura de grande qualidade a ser produzida em Portugal, e de língua portuguesa, tanto na esfera da prosa como da poesia. E também há muito lixo. Esse, felizmente é esquecido. E muito boa literatura que não será infelizmente reconhecida, porque não chega às grandes editoras e que, por conseguinte não chega ao grande público. Talvez deva ser mesmo assim, dada a dimensão e os hábitos de leitura no nosso país.
Quanto aos novos autores, prefiro referir-me a grandes livros. Já li vários livros de um mesmo autor e ter opiniões completamente divergentes: ter uma boa surpresa num livro, ficar rendido e andar dias a pensar naquele livro, e uma grande desilusão no livro a seguir. E isto pode não estar relacionado com a qualidade de escrita (já nem leio coisas que considero não terem qualidade, faltam-me o tempo e a paciência!), mas com a empatia gerada ou com o meu estado de ânimo no momento da leitura.
Na sua opinião, o surgimento das pequenas editoras, a maioria delas vanitys, são realmente benéficas para os novos autores ou são apenas mais um negócio que explora os sonhos e o ego de autores que ainda não foram levados em conta pelas grandes editoras?
Custa-me muito lidar com a ilusão e com a mediocridade. Trabalho num serviço de cultura que também integra uma biblioteca e passam-me pelas mãos, com muita frequência, livros e textos que considero serem muito medíocres. Alguns até com erros grosseiros, ao nível da morfossintaxe, ao nível da representação do pensamento e da construção da própria narrativa. Da poesia, então nem se fala! Continuamos a achar que somos um país de poetas e que a poesia é qualquer coisa que rime, nem que para isso se recorra a conjugações verbais forçadas e sem sentido algum. Leio os primeiros versos ou parágrafos e ponho de parte. Até já tenho ficado angustiado, porque o meio onde vivo é pequeno e as pessoas conhecem-me e vêm com alguma frequência pedir opinião sobre o que estão a escrever, porque querem muito publicar um livro. É uma obsessão que toma conta de muita gente. Uma falta de consciência literária. Um despojamento ou uma ausência mesmo de conhecimentos básicos. E o pior é que há editoras que se prestam a publicar essas mediocridades, por razões de lucro imediato e as pessoas, mesmo assumindo os custos da publicação, ficam com o ego alimentado e pensam que são escritoras. É perverso e é uma falta de respeito pela literatura, pela edição, e por todo o processo que um livro deve passar, desde que o texto sai das mãos do autor até chegar às livrarias. E é uma falta de respeito por quem encara a literatura como uma arte.
Por outro lado há pequenas editoras, com obras de autores desconhecidos e que se pautam pela procura da qualidade. Infelizmente são poucos os exemplos.
E ainda há as grandes editoras que publicam coisas sem grande interesse ou qualidade, mas que têm poder suficiente para catapultar esses autores, porque os temas abordados vão muitas vezes ao encontro das necessidades superficiais de determinadas classes de leitores. Diz-se que o mercado é pequeno mas há de tudo.
Costuma ler? Quais são as suas referências literárias?
Tenho o vício da leitura e gosto de ler coisas diferentes, quase todas as áreas da ficção narrativa, boa poesia, biografias, livros de História, crónicas, diários, teses, artigos de opinião em jornais e blogs, crítica literária, etc. Gosto de ler no geral. A minha mesa-de-cabeceira tem sempre livros. Não tenho autores de referência, a não ser talvez na poesia e são variados. Sei que é lugar-comum, mas não abdico do grande Fernando Pessoa e dos seus heterónimos. Gosto muito da Sofia de Mello Breyner, da Maria Teresa Horta, do Eugénio de Andrade, do Herberto Helder, do Pablo Neruda e do Mia Couto, na prosa e na poesia. Também gosto muito da poesia do José Luís Peixoto e de alguns dos seus livros em prosa. Considero a Desumanização do Valter Hugo Mãe um livro colossal, em todas as suas dimensões, assim como os Cem Anos de Solidão do Gabriel Garcia Marquez. Na área do romance histórico, gosto dos livros de alguns autores espanhóis, nomeadamente o Ildefonso Falcones e a Rosa Montero. A História do Rei Transparente é um livro maravilhoso e muito inspirador. E gosto, de vez em quando, de regressar aos clássicos do romance do século XIX. Acho que é com eles que se pode aprender a escrever.
Qual vai ser o próximo título de Paulo Pimentel? Teremos mais um romance na mesma linha? Quando é que os seus leitores podem contar com ele?
O próximo título é A Rainha Desalmada e, não sendo propriamente um romance histórico, é um romance de inspiração histórica. Isto é, decorre no reinado de Sancho II de Portugal e serve-se deste período conturbado da nossa História, mas debruça-se sobretudo nas personagens e nas suas cadeias de relações. À medida que fui investigando sobre a vida deste rei, fui desenvolvendo uma relação de amor-ódio com ele e com a sua rainha, Mécia Lopez de Haro, personagem pouco conhecida da nossa História, mas que tem dado azo a opiniões muito divergentes (tanto ela como o próprio rei) e alimentado polémicas entre historiadores, embora tenha vivido poucos anos em Portugal. É uma personagem intrigante e que mexe com as minhas emoções. O texto está praticamente terminado. Vai descansar agora um ou dois meses para começar a ser revisto. Não sei quando é que será publicado, pois não tenho ainda editora para ele. Mas gostava de o publicar em breve. Os textos cumprem-se nos leitores. Na verdade, ainda não o dei a ler a ninguém. Logo se verá.
Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Internet
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