Entrevista a Rui Melo:"Ser adolescente é intemporal"




                                               Fantastic Entrevista Rui Melo // por Ana Cristina Pinto
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Rui Melo nasceu no Estoril, no dia 11 de junho de 1970. Estudou gestão e finanças, áreas em que sempre trabalhou, quer em Portugal quer no estrangeiro. Pai de três filhas, vê a diversidade de interesses como o motivo que o levou à escrita. Primeiro, através da poesia, aos 11 anos. Mais tarde, através de pensamentos e pequenas histórias. 


O Poder dos Adolescentes é o livro que dedica aos adolescentes e que os adultos também devem ler, quanto mais não seja para relembrarem essa fase da vida que apaixona, mas também assusta. A idade dos sonhos e das dores, das descobertas e das desilusões, do deslumbramento e das emoções à flor da pele. O Poder dos Adolescentes fala de poderes, daqueles que os adolescentes têm, mas não sabem, e que os adultos já esqueceram. 


Neste início de mais um ano letivo, estivemos à conversa com o autor e como não podia deixar de ser, descobrimos que Rui Melo gosta de “atirar o coração para longe” porque o Poder mais importante de todos é o do Amor e com o amor vem o desejo.


Fale-nos um pouco do Rui Melo, o escritor. Como surgiu esta vontade de escrever um livro?
Apesar de escrever desde os meus 11 anos, nunca me interessou o esforço de escrever sem ter muito para ensinar. Agora acho que estive sempre errado. A PARTILHA é a essência da escrita e não outra coisa qualquer. Partilha-se e ponto… não cabe a quem escreve decidir se vai ser aplaudido ou não. Temos isso sim, a responsabilidade de “garantir” que o que escrevemos tem qualidade, mas não mais do que isso. Essa coragem de partilhar foi a faísca que a minha escrita estava à espera.


O que o motivou a "entrar" no universo dos adolescentes?
Com o nascimento das minhas 3 filhas, em idades muito diferentes e espaçadas no tempo, materializei a ideia de que iria estar envolvido na educação nos próximos trinta e poucos anos e que, com a idade, a nossa disposição para educar também envelhece. Acredito que educar, é conduzir sem ser visto e por esta razão e como pai preocupado em não falhar, teria de encontrar uma maneira de lhes dizer coisas sem que elas respondessem logo que não. Até podiam dizer que não, mas se as motivasse a refletirem, para mim já estava ótimo. O livro permite-me ser “menos” pai e talvez assim elas aproveitem mais as minhas mensagens.
Por outro lado, tinha muito material escrito enquanto adolescente e por isso era fácil viajar no tempo, calçar os meus sapatos de quando era adolescente e sentir agora o que senti nessa altura… e penso que não mudou assim tanto. O fervor das suas vidas de agora partilha as mesmas inquietações. Ser adolescente é intemporal.
Acresce, que existem muitos adolescentes a viver isolados… porque são filhos únicos, ou porque têm pais separados, ou porque os pais não têm jeito ou tempo para conversar com eles. Comecei a imaginar estes adolescentes a enfrentarem esta idade difícil, no meio de alguma solidão, e acreditei que poderia fazer um livro que os ajudasse. Um livro que resistisse vários meses nas suas mochilas, ao lado das suas camas para companhia antes de adormecerem. Que servisse para lhes dar força. Não sei se estou a desejar de mais…, mas prefiro assim.
Existe um filme, que vi há muitos anos, chamado "My Life". Conta a história de um pai que vive o drama de ter os dias contados e a mulher grávida de um rapaz, seu filho. O que me fascinou nesta história foi a escolha que o pai faz em usar os últimos meses da sua vida, documentando a sua personalidade, as suas opções de vida, aquilo em que acredita. De certa forma, uma passagem de legado post mortem. Verti lágrimas quando o pai faz um vídeo para o filho, sobre a forma correta de fazer a barba. Custasse o que custasse, este pai queria estar presente no crescimento do filho. Talvez eu também tenha um pouco disso na motivação do livro.

Os adolescentes são o seu público-alvo, no entanto, os pais e educadores também podem extrair deste livro uma reaprendizagem útil, já que temos muita tendência para nos esquecermos do que foi essa fase em que vivemos a adolescência?
Sempre convivi bem com os mais velhos e com os mais novos, ou seja, com gerações acima e abaixo da minha. Sempre tive um interesse genuíno em sentir as diferentes vivências a acontecerem no mesmo Tempo. Esta partilha entre gerações é o que deve aguçar a curiosidade dos mais velhos para este livro. Vivermos demasiado entretidos só com os da nossa geração é bastante redutor.
Tenho a certeza que os pais querem o melhor para os seus filhos. E mesmo no meio de alguma falta de jeito, acertam a maior parte das vezes. Ora, com esta aversão dos adolescentes em serem "conduzidos", estes acabam por decidir asneira atrás de asneira, só porque sim. Só porque é “fixe” contrariar os pais. O que não é bom…

Este mergulho dos adultos no Livro é importante para os recordar que os adolescentes não são uns extraterrestres. Recordar como funcionam estas cabeças ajuda a estar vigilante sem ser notado. A aconselhar sem parecer contrariar. A estar por perto, mas usando o manto da invisibilidade. 
A partir de uma certa altura, um pai não pode querer ser mais do que um conselheiro para as suas vidas. Tentar ser outra coisa cria distância. Com a distância instalada já não se consegue fazer nada. Os adultos normalmente têm esta expressão "se eu, com a vossa idade, soubesse o que sei hoje…". Não digo que o livro tenta evitar os trambolhões da vida, antes pelo contrário. Com este livro tento, isso sim, dar-lhes ferramentas que lhes permitam tirar maior partido dessas experiências.
Claro que os leitores adultos conseguem aproveitar muito do livro. Não no sentido de ficarem a educar melhor, mas no sentido de entenderem a química de uma geração que não deixa de ser difícil e de provocar "muitos estragos" em quem os rodeia.


Sente que há diferenças substanciais entre o que era ser adolescente há 30 ou 40 anos e o que é ser adolescente hoje?
Sim e não (risos). Sim há uma grande diferença no sentido de a minha geração ter sido educada na rua. Essa instituição milagrosa onde se ensaiavam tantas fórmulas de crescimento. Onde simulávamos a educação lá de casa, a dos nossos pais. Era nesse espaço que aprendíamos que afinal algumas coisas que nos ensinavam os mais velhos não davam assim tanto resultado. E ajustávamos. Éramos Mestres do Ajuste, da afinação. Ouvíamos, ensaiávamos e corrigíamos. Não me parece uma fórmula muito complexa. Acho mesmo que é muito adequada. Exímia substituta da psicologia. Mas veio o progresso e tirou-lhes a rua. Tiraram a rua aos nossos filhos e não faço a mínima ideia de como a vão substituir. Isso está diferente e faz uma grande diferença...e não. Não são assim tão diferentes os sentimentos, a química com que vivem os problemas e as ansiedades de se ser adolescente. A energia que colocam em tudo o que pensam. Essa parte é intemporal e é esta parte que está disponível para ser relembrada pelos pais e talvez a única porta para aproximar pais e filhos.
Todos passamos pela idade da adolescência. As gerações, hoje em dia, dizem, contam-se de 7 em 7 anos. São gerações com muito em comum que vão avançando no tempo. Como se se tratasse do jogo da cadeira, mas, neste caso, ninguém volta à cadeira onde se sentou. A geração que agora está sentada na cadeira da adolescência é muito forte. Muito bem apetrechada. Com uma visão muito mais global, desempoeirada. Muito mais completa do que quando eu me sentei na mesma cadeira. Claro que nem tudo são rosas… os desafios para Eles são enormes. Mais do que foram para a minha geração. A exigência dos pais e da sociedade sobe a cada geração que passa.


A vida é mais difícil para eles hoje do que era no tempo da nossa adolescência ou o nível de dificuldade mantém-se?
Penso que as diferenças se compensam e não devemos dramatizar. Eu lembro-me do totó que era, no sentido de nem saber para que lado era lisboa. Vivíamos no bairro e para o bairro. O mundo era uma coisa longínqua de que ouvíamos falar. Hoje, os nossos adolescentes são muito mais conscientes da sua globalidade e do seu potencial. Assumem um compromisso muito mais alargado e que vai muito além da família e amigos. Estou convencido que esta geração vai tomar as rédeas do seu futuro com muito mais ferramentas do que nós tínhamos. Existe um risco: O de não saberem aproveitar e respeitar o que de bom os mais velhos lhes deixam de herança.


E no que diz respeito às leituras: Os adolescentes de hoje lêem mais ou menos livros do que líamos no passado?
Alguém disse há pouco tempo que precisamos de mais leitores e não de mais escritores. Talvez quisesse dizer que a descoberta de um livro é uma experiência única e irrepetível, tenha o livro 100 anos e o leitor 15 ou tenha o livro 1 ano e o leitor 90. Com tanta disponibilidade de conteúdos o mais importante é a qualidade. Claro que agora leem mais! Contactam com mais mensagens (imagens ou palavras) do que quando no nosso tempo. Mas será que estão a conseguir distinguir o que são as boas leituras? Mesmo quando vamos ao cinema, estamos a interiorizar uma história. Por de trás de um filme pode estar um grande livro. Mas um filme não deixa de ser uma das interpretações possíveis de um livro. Ler o livro é sempre mais enriquecedor. Li num destes dias, que “quem não lê tem de se contentar com o que os outros dizem”. Não queria dramatizar tanto, mas dá que pensar…


Faz falta aos adolescentes de hoje lerem grandes autores? Os grandes clássicos da literatura podem de alguma maneira facilitar o seu entendimento da vida e do mundo?
Voltamos à qualidade e à intemporalidade dos livros. Mas antes disso, volto a lembrar os pais e educadores em geral, que é preciso fazer com que os adolescentes tropecem nos livros. Uma casa sem uma boa biblioteca dificilmente será uma casa que verá nascer um adolescente consumidor de bons livros. Uma escola que não transforme a sua biblioteca num lugar onde eles possam estar descontraidamente, sem a exigência da intelectualidade, não será uma escola promotora dessa aproximação. Se até as livrarias promovem espaços onde se pode tomar um café e falar sobre tudo e sobre nada, porque não trazer essa ideia para as bibliotecas escolares. Deverá existir um espaço de silêncio para o estudo e consulta de obras. Mas enquanto não se promover o divertimento à volta dos livros, não vamos chegar lá.
Sou católico e gosto de dar este exemplo. O caminho mais rápido para os jovens não aparecerem na igreja é exigir-se silêncio prolongado, muitos temas tabu e a ausência do barulho que as conversas animadas provocam.
Os livros devem fazer parte dos seus cotidianos para que depois possam fazer parte das suas vidas, entranhando-se devagarinho até que se tornem em bons companheiros. Um bom livro é sempre um bom livro e fará sempre falta a cada geração que por aqui vai passando.
A capa do livro é um adolescente de mochila às costas. Esta mochila representa tudo o que eles escolhem levar consigo. O meu sonho é que o meu livro ande por ali muito tempo, a ficar coçado de tanto uso.


Os adolescentes de hoje, são realmente a geração mais bem preparada de sempre?
O que acha que podia ser alterado no nosso modelo de educação?
Sim, sem dúvida. Têm tanto potencial que chega a assustar-me a forma como muitas das vezes não o aproveitam. O meu livro vem exatamente nesta linha. Estão numa fase da vida em que as suas forças podem ser tão potenciadas e a sociedade pode ter muito a ganhar se conseguir conduzir esse potencial no melhor sentido.
Já existem vários modelos de ensino que tentam explorar outras formas de ensinar. O que mais me incomoda é ainda não termos chegado a um modelo em que os professores assumem que não sabem tudo e que estão na escola para em primeiro lugar, serem treinadores de aprendizagem. No desporto já se nota esta viragem. Um treinador não tem de saber praticar melhor do que o atleta. Tem de conseguir, isso sim, orientar para o crescimento, para a melhoria continua e ajudar a corrigir as fraquezas. No desporto temos uma grande variedade de modalidades que o atleta pode experimentar e escolher. Na escola ainda não conseguimos ter esta amplitude de escolha, de experimentação e o que oferecemos aos alunos são caminhos de aprendizagem muito formatados e sem grande variedade nos conteúdos.
O meu sonho é conseguirmos ajudar as nossas crianças a descobrir o que mais gostam e só depois desenhar-lhes os conteúdos que fazem sentido serem aprendidos para que se tornem exímios profissionais nas suas profissões e acima de tudo realizados como seres humanos.


Pais com menos tempo para os filhos, novos modelos familiares, novos paradigmas como a ideologia de género, em que medida é que tudo isso influi nas personalidades dos jovens de hoje?
Apesar das boas intenções, os pais nem sempre têm jeito para educar e nem sempre encontram a paz nas suas vidas para o fazerem corretamente. Claro que nestes contextos, os jovens acabam sendo beliscados na sua forma de viver e empobrecidos na sua leveza e força. É incontornável que também somos aquilo que nos rodeia. Uma das frases que uso logo no início do livro é “Transporto tudo o que sou”. Acredito, com a energia de um adolescente, nesta frase e na sua força para a vida. Ensinar-lhes a assumir esta responsabilidade sobre as suas vidas e dando-lhes a capacidade de dizer basta quando estão a ser esmagados por acontecimentos à sua volta. Dar-lhes as ferramentas para se poderem proteger contra estes “ataques” ao seu bem-estar e correto desenvolvimento é protegermos o futuro deste nosso modo de vida em sociedade. Se eu não ensinar as minhas filhas acerca do que é o respeito nunca elas poderão contrariar-me quando for eu, por estar a passar um mau dia, as desrespeitá-las.
A escola pode e deve desempenhar um papel de neutralidade nas suas vidas. De refúgio quando precisam de ajuda. Quando precisam de desabafar. Não entendo a ausência nas escolas de espaços de tertúlia, de criação, de debate, de vivência das ideias. Só descansarei quando a maioria dos alunos regressar a casa, a cada dia mais fortes e com saudades de voltar à escola no dia seguinte.´


Entre todos os Poderes dos adolescentes, qual é o seu Poder favorito?
Meu Deus! Identifico-me muito com o Poder do Desejo. Sempre fui de atirar o coração para longe e depois correr atrás dele. Desejar que algo aconteça é o primeiro e obrigatório passo para que um dia de facto aconteça. Eu partilho no livro a minha visão sobre a forma correta de usar este poder. Não se pense que a magia atua sozinha. É preciso trabalhá-la e o que eu demonstro ao longo do livro é que afinal não é assim tão difícil aceder a estes poderes e trabalhá-los um a um, sem pressas.


Há mais alguma obra do Rui Melo na forja, com a qual poderemos contar em breve?
Sim há. É um livro que me está a dar muito gozo escrever. Vai ser um quebra-cabeças para a minha editora classificá-lo (risos). Desta vez quis misturar algumas formas de escrita, mas sobre um mesmo tema que me é muito caro. Conto acabá-lo até ao final do ano.


Pensa continuar a escrever para os adolescentes, ou este livro foi um caso isolado?
Por todas as razões os adolescentes têm toda a minha atenção. São uma força da natureza e se conseguirmos juntar a experiência dos mais velhos com esta inconformidade do seu olhar para com o mundo, temos o futuro garantido. Culpo muito os mais velhos por não abrirem mão das suas convicções e culpo muito os mais novos por acharem que evoluir é deitar fora tudo o que existe hoje. Quem descobrir a fórmula de aglutinar estes dois mundos vai ser Prémio Nobel da Proximidade.
Já tenho um novo tema alinhado para continuar a ocupar-me dos adolescentes. Gosto muito das conversas que tenho com eles aquando das minhas visitas às escolas. Saio de lá sempre maior e com a convicção de que estamos bem entregues (risos).


Neste início de ano letivo, que mensagem quer deixar aos nossos adolescentes? 
Pensar é um direito inalienável e por isso exerçam-no sempre. Tenham a coragem de dizerem aquilo que pensam. Se o fizerem respeitando os outros vão crescer como pessoas. Não há desejo maior do que aquele de querermos ser amanhã uma melhor versão de nós mesmos.

Fantastic Entrevista - Rui Melo
por Ana Cristina Pinto
Outubro de 2019

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