Fernanda Botelho, a história de uma criadora de histórias

“Quero viver os meus últimos anos na Vermelha para escrever”.





Não passou muito tempo na Vermelha, mas foi nesta aldeia do concelho do Cadaval que a escritora Fernanda Botelho quis viver os seus últimos anos. Parente afastada do escritor Camilo Castelo Branco e sobrinha-neta do artista plástico Abel Botelho, Maria Fernanda Botelho de Faria nasceu no Porto a 1 de Dezembro de 1926 e faleceu em Lisboa a 11 de Dezembro de 2007. Estudou Filologia Clássica nas Universidades de Coimbra e Lisboa, esta última, cidade onde viria a fixar-se para ocupar a direção do departamento belga de turismo entre 1973 e 1983. A escritora que agora o Cadaval reconhece como uma das suas figuras mais emblemáticas foi ainda co-fundadora da revista Távola Redonda e colaborou com outras publicações periódicas, nomeadamente a Europa, Graal e Colóquio de Letras. Fez parte da Comissão de Leitura do Serviço de Bibliotecas Itinerantes e Fixas da Fundação Calouste Gulbenkian.



Fez a sua estreia na literatura com o livro Coordenadas Líricas (1951) e somou outras criações literárias, 12 ao todo, publicadas, e mais umas quantas inéditas que ainda aguardam para verem a luz do dia.


“Era uma mulher muito dinâmica, viajada e que amava a vida.” 


Hoje, passados 10 anos após a sua morte resta de Fernanda Botelho um imenso legado cultural que abre as portas à comunidade, numa iniciativa da neta, a Arquitecta Joana Botelho. Foi ela que apresentou ao Jornal Região Oeste a Associação Gritos da Minha Dança, nome de uma das obras da sua avó (uma recolha de textos inéditos) lançada pela autora em 2003 e que seria o seu último trabalho publicado. A Associação que funciona no nº 25 da Rua S. José, Casal Pinheiro (Vermelha) foi a morada da escritora sempre que esta fugia do ruído citadino e se refugiava no campo. Quando perguntamos quem era Fernanda Botelho, a neta da escritora não hesita em responder: “Era uma mulher muito dinâmica, viajada e que amava a vida.”


“Quero viver os meus últimos anos na Vermelha para escrever”. Terá referido a escritora pouco antes de trocar a capital pela pequena aldeia no interior do Oeste. A Associação Gritos da Minha Dança que iniciou timidamente a partilha da sua riqueza cultural pretende fortalecer-se tornando a antiga morada da escritora numa Casa-Museu. E bem pode sê-lo.
Entre as largas centenas de obras literárias e objectos de evidente importância histórica, move-se a mentora deste projeto, Joana Botelho, que nos conta que Fernanda “era uma mulher muito dinâmica, viajada e que amava a vida”. Sobre a Associação Gritos da Minha Dança por ela criada, diz-nos que no início de todo o processo bateu a muitas portas, e só depois de muita insistência algumas se foram abrindo. Há cerca de três anos, apoiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, levou o município cadavalense a reconhecer Fernanda Botelho como um nome a ficar na história do concelho e a atribuir-lhe o valor que já tinha ganho a nível nacional. Hoje, graças à mulher que fez um interregno na escrita ao longo de 15 longos anos por, como a própria referia “Já não tenho nada para dizer”, o Cadaval está mais rico não apenas graças ao acervo da casa que em breve será museu, mas sobretudo pela obra da sua proprietária, a sua escrita e o seu percurso de vida.

Ficcionista e poeta, Fernanda Botelho, inquieta, dinâmica e amante da vida, morreu a 11 de Dezembro de 2007, mas antes de partir, foi na Vermelha, aldeia do concelho do Cadaval, que deixou as maiores marcas da sua passagem por este mundo. 

A Associação Gritos da Minha Dança tem apostado fortemente em actividades que procuram envolver as comunidades escolares de dentro e fora do concelho e não esquece a comunidade sénior que é desta forma levada à descoberta da obra de Fernanda Botelho. De realçar também que a primeira edição do Prémio Literário com o nome da escritora decorreu em 2016 na categoria de Conto, cuja entrega do prémio no valor de 1.500€ teve lugar em Janeiro deste ano. O evento contou com a parceria da Câmara Municipal do Cadaval e surpreendeu Joana Botelho pela positiva. “Esperava menos participações, talvez umas cinquenta, mas a adesão dos autores superou todas as expectativas e teve cerca de 400 contos a concurso. Muitos deles de autores residentes em vários países da lusofonia e alguns até de Itália.” Referiu a responsável.





A última edição do Fólio, Festival Literário de Óbidos contou com a participação da Casa (Museu) Fernanda Botelho, que abriu as portas ao público numa programação paralela.

Recorde-se que Fernanda Botelho foi distinguida com o grau de Grande Oficial da Ordem do Mérito e na Bélgica com a Ordem de Leopoldo I e além da obra ficcional, destacou-se também no campo da tradução, nomeadamente de "O Inferno", de Dante, pela qual recebeu uma medalha da Direcção-Geral das Relações Culturais de Itália, tendo igualmente seleccionado, traduzido e prefaciado uma "Antologia da Literatura Flamenga".

Em 1961, Fernanda Botelho foi agraciada com o Prémio Castelo Branco, pela obra “A Gata e a Fábula” e em 1995 volta a ser premiada com o P.E.N. Clube Português de Novelística graças à obra “Dramaticamente vestida de negro.”

"Nem na morte vou perder o meu sentido de humor nem a minha ironia", Fernanda Botelho ao Jornal Público em 2003. 

No passado mês de Junho, sob a responsabilidade do editor João Paulo Cotrim, foi apresentada no Teatro S. Luís, em Lisboa, a reedição do romance “Esta Noite Sonhei com Brueghel" inicialmente editado em 1987 pela Editorial Presença e que conta com a chancela da editora Abismo. 
Da sua obra ficcional, cuja publicação iniciou em 1956, com "O Enigma das Sete Alíneas", fazem parte títulos como "O Ângulo Raso" (1957), "Calendário Privado" (1958), "A Gata e a Fábula" (1960), "Xerazade e os Outros" (1964), "Terra sem Música" (1969), "Lourenço É Nome de Jogral" (1971), "Festa em Casa de Flores" (1990) "Dramaticamente Vestida de Negro" (1994) e “As contadoras de histórias” (1998).

Texto/Entrevista: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Ana Cristina Pinto

Artigo publicado no Jornal Região Oeste
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