Entrevista a Luís Corredoura:"Aquilo que presentemente sucede com o ensino da História, nomeadamente da nossa, é vergonhoso."



Luís Corredoura nasceu em Pêro Pinheiro, concelho de Sintra. É licenciado em Arquitetura e Mestre em Recuperação do Património Arquitetónico e Paisagístico. O autor de vários títulos, entre os quais "Nome de Código Portograal" foi galardoado já com o Grande Prémio Adamastor de Literatura Fantástica do Colectivo Trëma-Fórum Fantástico de Lisboa e do Encouragement Award atribuído pela European Science Fiction Society. 

"Lusitano Fado", outro dos seus sucessos literários foi livro RTP e "O Senado – História de uma conspiração" faz parte das obras que fizeram de Luís Corredoura um autor de referência. "A Recriação do Mundo" é o seu quarto romance editado, não obstante ter muitos outros manuscritos da sua autoria e de similar natureza guardados no fundo de várias gavetas. 

Além de projetos de arquitetura e literários, é também fabricante de vários escritos relacionados com a sua área profissional, de crónicas sobre contemporaneidades em publicações periódicas, assim como tradutor para português, entre outras obras, da "História da Espionagem e o Mundo dos Serviços Secretos e de Informação", de John Hughes-Wilson.

Quem é o homem por detrás do escritor, Luís?
Ninguém extraordinário, apenas um homem vulgar que, além de projectos de arquitectura, faz amiúde projectos literários que ocasionalmente logra publicar para seu regozijo.


Os seus livros têm obedecido à temática da realidade alternativa, pondo Portugal e a sua história, sobretudo durante o Estado Novo, como foco central dos seus romances. O mais recente, “A Recriação do Mundo”, segue a mesma linha?
Basicamente, somente o primeiro que editei - "Nome de Código Portograal" - é que se insere integralmente na temática distópica. Os seguintes - "Lusitano Fado" e "O Senado - história de uma conspiração" -, não obstante serem romances, inspiram-se na realidade, em situações mais recentes, nomeadamente aquando do 25 de Abril de 1974 e nas que aconteceram nos anos seguintes, naquelas notícias que ninguém repara e/ou que não são devidamente discutidas e/ou publicitadas, não obstante se saber que os factos que estão na origem dessas "novidades insignificantes" tiveram e ainda continuam a ter um impacto deveras profundo no quotidiano das pessoas, dos cidadãos, daqueles que pagam impostos para sustentar e/ou colmatar os devaneios de outros...



A eterna questão do “E se…?” fascina-o?
Sim, claro que me fascina. Não é preciso ter uma imaginação muito fértil para perceber que se certas decisões, por mais inócuas que hoje pareçam, tivessem sido tomadas de uma outra forma, o mundo actual, em geral, e este país "à beira-mar plantado", em particular, seriam deveras diferentes. Não digo que para melhor - apesar de eu querer acreditar nisso -, mas não tenho dúvidas que o modo de vida seria outro para a generalidade da população.
Só a título de exemplo: se Hitler tivesse concordado com as exigências que Franco lhe fez aquando da conferência de Hendaye, em Outubro de 1940, Gibraltar e Portugal teriam sido invadidos no âmbito da Operação Félix e nós não dispúnhamos de condições algumas para fazer frente às divisões nazis...

Com o que é que os seus leitores poderão contar neste novo romance?
Este "projecto" inspira-se em facto verídicos, as tentativas feitas pelos nazis para fabricar um engenho nuclear. Pelo meio, há um português - em jeito de ironia, quase sou forçado a afirmar que há sempre um português envolvido em tudo o que tem relevância para o mundo desde que Portugal existe... -, um matemático e físico de origem judaica, idealista de Esquerda, que participa na Guerra Civil Espanhola e que foge depois para França no final desse conflito. Aquando da deflagração da segunda guerra mundial, luta ao lado dos franceses, mas acaba capturado pelos alemães. Estes, quando se apercebem do valor daquele prisioneiro, enviam-no para Peenemünde, onde vai trabalhar com, entre outros, Wernher von Braun, no fabrico dos foguetes V-1 e V-2, assim como dar assistência ao programa nuclear nazi, pois a excitação das descobertas sobrepõe-se aos dilemas da consciência.
Pelo meio, ocorre a Operação Valquíria, liderada por Claus von Stauffenberg, o mutilado oficial da "Wehrmacht", que tenta a todo o custo assassinar Hitler para assim derrubar o nacional-socialismo e evitar que as hordas de Estaline invadam solo alemão, numa fase da guerra em que já se percebia quem estava em vias de vencê-la.


Já foi premiado como o mais brilhante escritor português de ficção distópica. Essa distinção deu-lhe, de alguma forma, mais “combustível” para continuar neste registo?

Se me permite, creio ser um "pouco" exagerada essa distinção ou as palavras aplicadas para me definir ou para explicar o que faço/escrevo. Apenas fui reconhecido pelo Colectivo Trëma, no âmbito do Fórum Fantástico de Lisboa, tendo então recebido o Grande Prémio Adamastor de Literatura Fantástica pelo meu romance "Nome de Código Portograal". No entanto, devido ao facto de não ser filho, sobrinho, neto, afilhado e amigo de gente associada ao poder e aos meios de comunicação social, essa notícia passou completamente despercebida, o mesmo sucedendo quando a European Science Fiction Society me atribuiu no ano seguinte o Encouragement Award pela mesma obra no congresso então realizado em São Petersburgo, na Rússia...
Mas respondendo à questão... Não creio que estas singelas distinções tenham tido grande impacto no meu "modus operandi". Antes de as receber, já assim escrevia, o que se manteve até ao presente. A minha escrita e/ou o meu estilo não dependem desses supostos reconhecimentos. Provêm, antes, de uma condição bastante própria, do que sou, daquilo que vejo/leio, do que penso e concluo, por mais absurdas que essas determinações se revelem.


O Luís escreve sobre temas que, embora exerçam algum fascínio, também são controversos e costumam incomodar por tudo o que nos remete para o período do salazarismo e também a ascensão nazi. Sente-se um clima cada vez mais hostil, quando se tenta abordar estes temas. Alguma vez receou que ao escrever sobre tais temáticas, possa prejudicar-se enquanto escritor?

Não, nunca receei, apesar de ter plena consciência que se escrevesse a louvar e/ou a "embelezar" determinadas figuras da nossa História cuja influência no mundo foi tão ou mais negativa do que a tida por Salazar, Hitler, Franco, Mussolini e afins o meu "prestígio" e fama seriam outros. No entanto, como nunca tive grande dom para ser hipócrita e cínico, cinjo-me ao que sempre fui e à realidade tal como a vejo, aquela que vai sendo escondida e branqueada para que as próximas gerações vejam Estaline como um messias e Mao como um profeta...


O livro “Nome de Código Portograal” é uma história que daria uma excelente adaptação ao cinema ou série televisiva bem ao estilo de “O Homem do Castelo Alto”. Quando sonha acordado, este costuma ser um dos seus sonhos?
Claro!... Em jeito de brejeirice, o meu sonho é o Tom Hanks, um dia, ter acesso a um dos meus livros. Tenho esperança que ele, dado ter ascendência portuguesa, perceba um pouco do idioma de Camões para dar conta do potencial cinematográfico oculto sob aquilo que escrevo e trate de falar com o Spielberg...


Tendo em conta que um escritor deve pensar o seu tempo, o que pensa desta tentativa tão feroz e comum a tantas pessoas, para apagar da história os Descobrimentos Portugueses, a colonização ou mesmo o período do Estado Novo? Conhecer bem e debater o passado não é uma forma eficaz de sabermos para onde devemos dirigir o nosso futuro?
Aquilo que presentemente sucede com o ensino da História, nomeadamente da nossa, é vergonhoso. Poder-se-á dizer mesmo que existe uma tentativa para obnubilar por completo determinadas épocas e pessoas cujo papel foi determinante para a nossa formação e identidade enquanto portugueses e gente que deu "novos mundos ao mundo". Veja-se apenas o que sucedeu para lá da antiga "cortina de ferro" e o que aconteceu além dos Himalaias para se perceber que as sementes da distorção, do apagamento e do branqueamento germinaram como nunca no seio de toda a civilização, essa que hoje se diverte nos "facebooks, instagrams e twitters" deste mundo, pouca ou nenhuma importância dando ao lastro que tem equilibrado a barca em que navega, lastro esse que cada vez mais é menor devido a essa ignorância. E qualquer pessoa de bom senso sabe ao que sucede a uma embarcação quando esta fica sem lastro...



Quais são as suas expectativas com o lançamento do livro “A Recriação do Mundo”?
Não costumo ter grandes expectativas para não ter grandes desilusões. Apenas quero que as pessoas leiam o que escrevo e pensem sobre o que escrevo, sobre as realidades e mundos paralelos que invento com base em factos verídicos.

Fantastic Entrevista - Luís Corredoura
Por Ana Cristina Pinto
Agosto de 2019

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