Foto de Perfil- Mestre Miguel Nobre (dos últimos Mestres na arte da molinologia)
Podia ser um Lobo do Mar
mas...
É o Mestre dos Moinhos!
É um dos poucos artesãos de moinhos ainda vivos. Mais ainda: é um dos únicos artesãos certificados na (re)construção de moinhos. Miguel Nobre, um carpinteiro natural do Vilar (Cadaval) sabe restaurar e construir como ninguém um tipo de imóvel que teve o seu apogeu nos anos 50, e que hoje, depois de muitas décadas votado ao esquecimento, começa a renascer, impulsionado pelo turismo.
Quando subimos a Serra de Montejunto, com os seus 666 metros de altitude, encontramos vários moinhos, mas o maior, o maior do Montejunto e do país, é aquele que foi restaurado pelo Mestre Miguel, em 2008.
O Moinho de Avis, construído de raiz em 1810 tem na soleira da porta um painel de azulejos cujos dizeres: “Meu Deus, o vento passa mas a tua bênção fica” não é senão um pedido de proteção das intempéries, numa alusão à fé dos antigos moleiros. À entrada, uma rosa-dos-ventos, embutida na soleira da porta, indica o Norte. Aquele que é o maior moinho desta serra e de Portugal, com seis metros de altura e sete de diâmetro (a média é de 3,5 metros) tem também nas suas entranhas pedras iguais às que foram utilizadas na construção do Convento Dominicano, erigido ali perto no século XIII.
Este Mestre Artesão é também muito solicitado para a recuperação deste património e percorre o país de norte a sul, para levar a sua arte onde ela é necessária. Casado e pai de dois filhos, tem na mulher o seu grande apoio, e nos filhos, a força para fazer mais e melhor todos os dias. Miguel Nobre também ama o mar. Enaltece as semelhanças entre a arte da molinologia e a navegação, as cordas e os nós, as madeiras e os mastros, as velas, e os ventos. Não é por acaso que a Cruz de Cristo figura nas quatro velas que se abrem majestosas para os vendavais do Montejunto, o que nos faz recordar imediatamente da grande Caravela de Sagres.
“A maioria das pessoas não sabe mas os moinhos de vento portugueses armam com velas de pano, triangulares, em número de quatro, presas a outros tantos pares de varas que irradiam do mastro”. Começa por dizer-nos o Mestre Miguel.
Como é que começou a sua paixão por esta atividade?
Tinha oito anos quando construí o mastro do primeiro moinho, com a ajuda do meu avô que era moleiro. Tratava-se de uma réplica dos que povoavam a serra e que diariamente via da minha casa. Comecei esta vocação com algum custo, um dia disse à mãe que queria ser carpinteiro e ela respondeu-me: “Está bem, se queres ser carpinteiro vais ser carpinteiro”. E assim foi, acompanhado por bons mestres, tornei-me carpinteiro. A aprendizagem foi feita através de um trabalho exaustivo de pesquisa em livros e documentos antigos. Mais tarde decidi comprar as ruínas de dois moinhos na Serra de Montejunto e recuperá-los, equipando-os de modo a que mantivessem todas as características originais.
Depois disso teve mais atenção de outros mestres e autarquias?
Esse trabalho de recuperação foi elogiado pelo mestre Henriques, de Torres Vedras, (antigo especialista do ramo) que, mais tarde, me pediu para dar continuidade à tradição.
Já recuperei quase duas dezenas de moinhos, a grande maioria na região Oeste, mas também em Sintra, Algarve e Santarém, a pedido das Câmaras e particulares. Já cá tive também a comunicação social, só a RTP já fez aqui umas quatro reportagens! A SIC e o Correio da Manhã também já cá vieram e é claro que essa divulgação também traz pessoas aqui. Algumas até querem comprar o moinho, e outras, querem vê-lo em funcionamento.
E alguém que tenha dúvidas sobre o seu trabalho pode sempre vir até aqui, não é?
Sim, este moinho acaba por ser também um cartão de visita. Quando me aparece algum cliente interessado numa recuperação, eu trago-o muitas vezes aqui.
Quando é que reconstruiu este moinho?
Reconstrui-o em 2008. Mas ele já era um moinho de 1810.
E que tipo de materiais é que usou na sua reconstrução?
Usei madeiras de cedro e carvalho, criadas aqui na serra. Comprei essas madeiras depois dos incêndios. Era uma pena estragar essas madeiras porque são muito antigas. Este moinho tem três pisos, e é no último que reside a maior dificuldade. É lá que se concentram os engenhos do moinho para moer o cereal, até ele ficar transformado em farinha. Só o mastro pesa 1500 quilos e as mós cerca de uma tonelada.
E tem também a sua atividade enquanto moleiro…
Ao longo destes 20 anos de atividade em que corri o país de norte a sul fui cruzando informação que ia sendo passada pelos vários moleiros e pessoas mais velhas que tinham conhecimento das farinhas antigas, e os vários tipos de trigo. Nos anos 30 já havia uma lista feita pela Estação Agrária de Lisboa que identificava oito mil tipos diferentes de trigo. Aqui eu faço farinhas com trigos tradicionais portugueses. Eu herdei as mós da azenha do meu avô e essas mós nunca moeram trigo geneticamente modificado.
Sabemos que a sua farinha não se compara às que encontramos no mercado e o pão feito com essas farinhas é também um pão menos saudável. Isso deve-se também aos vários tipos de trigo?
Temos um trigo muito bom que é o trigo de Barbela, por exemplo. Ou o Almansor que nos deixaram os árabes, ou o Galera. Fazendo uma seleção destas sementes ficamos com um pão integral rico em nutrientes e saudável. Mas como são trigos que rendem menos do que os outros modificados, torna-o inviável para a indústria das farinhas e os moleiros importam o trigo mais barato possível. É aqui que se perdem todas as qualidades da farinha e a necessidade dos padeiros utilizarem outros produtos para combater as suas diferenças. Repare, a indústria diz que o trigo de Barbela dá uma farinha fraca. Na realidade a farinha é fraca para produzir em grandes quantidades, mas a farinha que se produz com o trigo de Barbela é muito mais nutritiva que muitas outras que por aí andam. Por isso é que depois quando ficamos doentes ou temos carências alimentares vamos ao médico e ele manda-nos tomar suplementos alimentares ricos, por exemplo, em gérmen de trigo. Pudera! O trigo que nós comemos é uma coisa vazia, não tem lá nada, não tem sabor, não tem o gérmen. Mas claro, não dá o rendimento que todos querem. As farinhas ao longo dos anos têm vindo a perder todo o seu valor nutricional, que em outros tempos teve.
E para além de tudo isto, ainda tem o Curral do Burro, um magnífico restaurante, com especialidades da gastronomia local e o já famoso pão com chouriço aos sábados…
Sim, o Curral do Burro é um complemento. Em dias de verão estar aqui em cima é formidável e mesmo no inverno, também não se está mal e a vista é fabulosa.
E nós atestamos. Apesar deste dia de encontro com o Mestre Miguel, ter sido extremamente ventoso, regressámos com a alma cheia. O Moinho de Avis, este lugar quase mágico onde se mói a farinha como nos tempos antigos mesmo ao lado do Curral do Burro, o restaurante também no topo da montanha, presenteia-nos com uma vista deslumbrante, daquelas que, uma vez contemplada, trazemos para sempre por dentro dos olhos.
Melhor qualidade -Simplicidade.
Pior defeito- Exigente comigo próprio.
Prato favorito -Cozido à Portuguesa.
Melhor momento- Nascimento dos meus filhos
Pior momento- A morte do meu pai.
Local Favorito -
É a Região Oeste.
Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Margarida Silva
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
Artigo publicado no Jornal Região Oeste
www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste
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