Convento dos Dominicanos no Montejunto foi afinal um Albergue no século XIII
Do Memorial do Convento, saem Blimunda e Baltazar Sete-Sois, que na imaginação de Saramago, se aventuram no Montejunto. Dois loucos portugueses que no século XVIII conheceram as superstições, a fogueira e a inquisição. Todavia, se Blimunda e Baltazar são uma criação de um dos maiores génios literários portugueses, o Convento, esse, é bem real e está ali, no alto da Serra de Montejunto, nas imediações de uma das mais bonitas aldeias serranas do concelho do Cadaval: Pragança.
A Serra de Montejunto foi descrita por Frei Luís de Sousa, na história de São Domingos, como “hum só monte de pedra, ou uma só pedra, antes que serra” e como local escolhido, no ano de 1218, para a fundação do primeiro convento dominicano em Portugal e de uma ermida de invocação a Nossa Senhora das Neves. Todavia, esta tese fundacional tem sido questionada por alguns autores.
Se até agora se acreditava que o Convento dos Dominicanos, havia sido construído em finais do século XII, ou inicio do século XIII, mais propriamente no ano de 1218, – pouco tempo depois da chegada ao nosso país de Frei Soeiro Gomes que institui a Ordem dos Dominicanos em Portugal – e se também se acreditava que no século XVIII, o regresso dos monges havia dado origem à reedificação do Convento sobre as ruínas do edifício inicial, vários estudos arqueológicos confirmam agora que as ruínas deste Convento Dominicano são efetivamente do século XVIII e não mais antigos, não deixando, contudo, de ser um monumento grandioso que vale a pena visitar.
A confirmação da respetiva datação das ruínas, foi tornada pública no passado dia 5 de maio, por ocasião do colóquio subordinado ao tema: “Em Busca das Raízes – Em Torno da Fundação do Primeiro Convento Dominicano em Portugal”, que decorreu no auditório da Câmara Municipal do Cadaval, no âmbito do encontro organizado pelo Instituto São Tomás de Aquino, Província Dominicana de Portugal e o município.
Marta Castelo Branco, investigadora do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da Universidade de Évora, salientou que muito embora tivessem sido encontrados no local artefactos dos séculos XII e XIII, as ruínas remontam a uma época mais recente. A descoberta teve origem em investigações realizadas pela Câmara Municipal do Cadaval, sob a coordenação do Museu Municipal. Os trabalhos de valorização e investigação das ruínas atuais, acabaram por colocar também a descoberto as estruturas antigas que eram até aqui um mistério, sendo elas igualmente do século XVIII. Aqui podem ainda destacar-se cerâmicas e porcelanas chinesas usadas pelos monges.
O “Encontro em Busca das Raízes em Torno do Primeiro Convento Dominicano em Portugal”, revisita um tema caro à historiografia das ordens em geral e à dos Dominicanos em particular. Marta Castelo Branco refere que “fundamental para todos os que se dedicam aos estudos dos pregadores em Portugal, a história de São Domingos tem sido utilizada por alguns como repositório de informações do processo de formação dos vários conventos em Portugal, desde o século XIII até ao século XVII. No entanto, a história de São Domingos está ainda por estudar enquanto documento histórico ou documento literário, o que permitiria perceber melhor a lógica de construção social e política, no seu contexto e a sua relação com outros autores”. Foi nesse sentido que Marta Castelo Branco procurou voltar às crónicas de Frei Luís de Sousa a propósito da edificação do convento do Montejunto, colocando lá as categorias de verdadeiro e falso que têm animado muitas discussões. A investigadora diz ainda que “a estruturação de uma rede de conventos masculinos e femininos da ordem dos pregadores no reino de Portugal ocorre de facto entre o ano de 1218 e o final do século XIII. O seu epicentro foi a Diocese de Lisboa, isso é também um dado inquestionável, nomeadamente os centros urbanos de Santarém e de Lisboa, com um convento em Santarém primeiro, depois com um convento feminino em Chelas. Posteriormente, a Ordem estende-se para Coimbra em 1227, Porto em 1238, Elvas em 1267, Guimarães em 1270 e Évora em 1286. Temos, portanto, uma geografia marcadamente urbana. Isto faz-nos despertar um pouco para a localização do Montejunto, como uma localização eventualmente complicada”. Explica. “Deparamo-nos com alguns problemas de caráter documental. Aquilo que gostávamos de encontrar eram cartórios com documentação bem organizada, altamente explicita, mas aquilo que temos é, pelo contrário uma rarefação documental enorme. Isto desenvolve em nós alguma frustração, mas também a necessidade de recorrermos a tudo o que são pistas, indícios, vestígios e também, isso é inevitável, temos de recorrer às fontes cronisticas. Não tentar levar à letra aquilo que dizem, mas tentar perceber porque é que dizem".
Frei Luís de Sousa defende acerrimamente uma ancestral presença dominicana no Reino de Portugal, mas não existem nenhuns documentos históricos que nos comprovem que isto tenha sido assim. Depois, uma outra questão que Frei Luís de Sousa também refere bastante é a valorização dos pregadores através da identificação da Casa Real, de que são exemplo as três filhas de Sancho I, as infantas Sancha, que associa à proteção da primeira comunidade de pregadores no Montejunto, e as infantas Teresa e Branca, protetoras de comunidade de Coimbra. O que é curioso é que se analisarmos a crónica de Frei Fernando de Castilho em relação às crónicas de Frei Luís de Sousa, relativamente à implantação dos dominicanos no Montejunto, percebemos que D. Sancha, que era Senhora de Alenquer, tinha de facto uma afeição pelos dominicanos, mas ela, como mulher de fé, apoiava de igual modo todas as outras ordens religiosas. O que não parece tão plausível é que esse apoio se tenha traduzido na criação de um convento. A época a que nos referimos situa-se nos anos 1217, 1218, 1219, que são anos muito iniciais da Ordem, com a criação das suas próprias estruturas. Sabe-se que muitas destas primeiras instalações de dominicanos e franciscanos também foram feitas em locais mais ou menos transitórios, e não tinham, portanto, caráter definitivo. "Podemos dizer que a criação de um convento, nesta fase inicial, mesmo depois de passar pelos vários crivos conciliares, é um processo moroso, longo no tempo", explica a investigadora. "Não podemos pensar na construção de um convento no século XIII como algo que aconteceu num ano ou dois. Isso é irreal. Quando muito, foi construído na época, um albergue para os mendicantes, não um convento.”
Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Ana Cristina Pinto
Artigo publicado no Jornal Região Oeste
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