Foto de Perfil – Lena d'Água
"Não imaginei que este Lena d'Água se me colasse tanto à pele!"
“Ou isto ou Aquilo” é uma peça de teatro deliciosa, para miúdos e graúdos, musicada por Luís Pedro Fonseca e com poemas de Cecília Meireles, que vai estrear no Porto uma semana antes do Natal. Encontramo-la a dançar e a cantar com a voz de menina que lhe é peculiar e que toda a gente recorda dos tempos em que na rádio passava o “Robot”. Aqui, com os Salada de Frutas, ganhou notoriedade, mas foram o “Sempre que o Amor me quiser” e o “Dou-te um Doce” que ficaram para sempre no ouvido dos portugueses. Hoje, alguns anos volvidos, trocou o bulício da capital pela calma do campo e escolheu A-Dos-Ruivos, no concelho do Bombarral para viver. Tem uma filha já adulta e um neto, vários discos editados, centenas de músicas cantadas, muitos palcos pisados, amores e desamores, encontros e desencontros, um livro que fala do pai, “José Águas, O Meu Pai Herói” publicado pela Oficina do Livro, e outro de poesia “Amar-te” que originou um blog com o mesmo nome. Em suma, uma vida agora cheia, que começou a encher-se de música quando foi a primeira vocalista mulher numa banda de rock:Os Beatnicks.
Como é que foi ser a primeira mulher a integrar uma banda de rock nessa altura?
Eram tempos (logo a seguir ao 25 de Abril), em que havia muita gente a fazer coisas novas e criativas, mas não havia divulgação. Ser a primeira mulher vocalista de uma banda de rock não foi difícil. Sobretudo porque eu não fiz de propósito. O que aconteceu foi que me apaixonei pelo viola baixo. (risos). Na altura nem sabia que ele tinha uma banda. Éramos muito novos,tínhamos amigos em comum. Numa festa de carnaval por sentir um “clique especial”. Em pouco tempo já sabíamos imensas coisas um do outro, que ele tinha uma banda, que eu também estava muito ligada à música... Lá em casa nunca faltou música. O meu pai comprava imensos discos e a minha mãe cantava maravilhosamente. Na altura eu tinha uma viola acústica e dava uns toques. Passei a ir aos ensaios dos Beatnicks e em três tempo eu e o Ramiro estávamos a namorar. Comecei depois por fazer uns coros nos ensaios. Entretanto já conhecia todas as letras e um dos membros do grupo convidou-me para ser vocalista. A Sara nasceu no último dia de 1975 e em maio seguinte fiz o primeiro concerto com eles numa festa de finalistas em Sintra.
E como eras na fase inicial da tua carreira?
Era muito tímida. Nesse primeiro concerto em Sintra eu estava no palco muito envergonhada. Lembro-me que me sentei no palco, achei que estava muita gente. Tínhamos uma parte do espetáculo preenchida com covers e outra com músicas originais. Tínhamos uma máquina de fumos que poucos músicos usavam na altura. Eu estava numa espécie de estágio não remunerado. Não ganhávamos dinheiro. (risos) Foi com eles que eu cantei no Bombarral pela primeira vez.
E já tinha nascido a Lena d' Água nesta altura?
Não. A Lena D'Água nasceu no princípio de 79, nos bastidores desta peça que ensaiamos hoje (Ou Isto ou Aquilo). O meu nome artístico tem uma história engraçada: Em tempos substitui a vocalista de uma banda que se chamava Diadágua e um colega perguntou-me se eu me chamava Lena d'Água. Disse-lhe que não mas na brincadeira respondi que até podia ser. Quando surgiu um trabalho para cantar num hotel da Praia da Rocha, tinha que ter uma carteira profissional onde deveria constar um nome artístico. Foi nessa altura que me lembrei desse, Lena d'Água, e ficou. Eu nem sabia que ia ser cantora, que ia fazer carreira nesta área. Não imaginei que este Lena d'Água se me colasse tanto à pele. (risos)
Voltando um pouco atrás, como é que foi primeiro esse concerto no Bombarral?
Ah, nós éramos muito miúdos na altura, muito verdes! Tínhamos os nossos originais e queríamos apresentá-los. Mas decidimos fazê-lo na segunda parte do espetáculo. Isto aconteceu na noite de fim de ano e decidimos tocar os nossos inéditos logo depois da meia noite. Foi uma péssima ideia! As pessoas literalmente invadiram o palco. Elas não estavam minimamente interessadas em conhecer músicas novas, queriam era aquela música de farra que habitualmente se ouve numa passagem de ano. Agora acho graça ao que aconteceu, mas na altura saí do palco a chorar. Quem havia de dizer que mais de 40 anos depois havia de vir viver para cá! (risos)
E em que momento da tua carreira é que sentiste que estavas a marcar o panorama musical em Portugal?
Em 1981 há um sinal forte de que já nada é igual ao que era antes. Foi com a música “ Robot” que a Lena d'Água começou realmente a ser conhecida. Notei que então, andar na rua e andar de metro já era um pouquinho mais “chato”. Não que as pessoas fossem demasiado intrusivas ou me tratassem mal, pelo contrário! As pessoas queriam aproximar-se porque se gostavam da Lena d'Água.
Mas foi a música “Sempre que o Amor me quiser” que se tornou “a Música” da Lena d´Água. É de certeza a banda sonora da vida de muita gente, muitos namoraram com ela a tocar. Também é a tua música favorita?
Eu não consigo dizer qual é a minha música favorita. É uma das minhas preferidas, claro, e tenho noção de que é como dizes. Costumo dizer que quando eu morrer é essa música que vai passar nas rádios e nos canais de televisão.
E não é um motivo de orgulho saberes que uma música tua é especial para tanta gente?
A música não é minha. O Luís Pedro Fonseca escreveu-a para mim.
Sim, mas quando se fala no “Sempre que o Amor me quiser”, ninguém fala do Luís Pedro Fonseca. Fala-se é na Lena d'Água...
Pois, é verdade...mesmo quando ele morreu as pessoas quase não deram por isso, mas o mérito no sucesso deste e de outros temas também é dele. Por exemplo, as que cantamos nesta peça de teatro “Ou isto ou Aquilo”, foi ele que as escreveu para os poemas da Cecília Meireles. O Luís Pedro Fonseca foi uma peça fundamental na minha vida.
Foi também um amor...
Posso dizer que sim. Mas foi mais uma grande amizade do que uma paixão. Nunca vivemos juntos, não temos filhos em comum, mas namorámos e quando o namoro acabou ficámos amigos até o Luís Pedro morrer. Posso dizer que isso sim, é amor.
E a dada altura da tua vida, decides que já estás farta de Lisboa e procuras a calmaria do campo. Foi mesmo por necessidade de te afastares da confusão cosmopolita ou foi para experimentares algo novo?
Desde miúda que sonhei sair da cidade. Gosto muito de Lisboa. O meu bairro é Benfica e sempre que vou a Lisboa passo lá para tomar o meu cafezinho e dizer olá às pessoas que conheço. Mas já não aguentava mais. Quando decidimos vender a casa de família, eu agarrei na minha parte e comprei esta casa em na aldeia. É o sítio ideal. Estou perto de Lisboa para estar perto da minha filha. Gosto desta simplicidade.
E como é que foi a adaptação? As pessoas receberam-te bem? Tratavam-te de uma forma especial pelo facto de seres uma celebridade?
Tive imensa sorte com os meus vizinhos mais próximos que são amorosos. Estou convencida de que no início as pessoas estavam convencidas que eu ia fazer imensas festas e que iam aparecer por cá imensos artistas... (risos) Mas eu sou uma pessoa discreta e quando muito, tenho um amigo ou outro que vem e de resto não se passa nada. (risos)
Dás-te bem com a solidão?
Sim. Eu nunca estou inteiramente sozinha porque tenho os meus amigos e amigas. Sou uma mulher de amizades, mas consigo perfeitamente estar sozinha. Claro que às vezes custa chegar a casa depois de um dia mau e não ter ninguém para desabafar...
Foi por isso que há pouco tempo deixaste aquele desabafo no facebook?
Sim...eu queria desabafar com alguém e no momento não tinha, então usei o facebook para aliviar o meu stress e dramatizei a situação. Eu tinha acabado de ser multada porque me esqueci de renovar a minha carta de condução. Fiquei terrivelmente chateada e nesse momento senti-me muito frágil.
O que é que gostavas ainda de fazer?
Mais um livro. Quero fazer um livro autobiográfico. Tenho vários poemas de juventude no blog "Amar-te”, e agora quero deixar para memória futura, um pouco da minha vida. E quero fazer outras coisas, esta peça de teatro, outras peças... outros discos... no próximo ano vai sair o disco novo. Vou continuar a cantar até sempre.
És saudosista?
Não, mas tenho uma grande memória. Lembro-me de tudo.
E feliz, és e foste feliz?
Fui muito feliz na minha infância e sou muito feliz sempre que canto. Já nos amores não posso dizer o mesmo...ciúmes, inseguranças, traições... enfim, uma canseira! Hoje em dia sou feliz com os meus amores companheiros cães e gatos. É um sossego.
Pior Defeito: ser bruta
Música Favorita:o canto dos pássaros
Escritor favorito: António Lobo Antunes
Local de férias: casa
O melhor refúgio: casa
Felicidade é...: poder cantar
Fotografia: Margarida Silva
Entrevista: Ana Cristina Pinto
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
Artigo publicado no Jornal Região Oeste
www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste
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