Nenhum Homem é uma Ilha

O mundo está a mudar. E não é pouco. 




As novas tecnologias vieram alterar profundamente a forma como vivemos, trabalhamos e sobretudo como nos comunicamos. As redes sociais são o novo ponto de encontro de amigos, conhecidos e perfeitos desconhecidos a quem passamos a chamar de amigos. A internet popularizou-se bem como os meios para acessá-la. Já não é necessário aceder ao computador. Um tablet ou um smartphone, levam a rede para todo o lado e em qualquer parte do mundo é possível estar conectado. Dizer algo que não se devia tem bom remédio. Edita-se o texto ou elimina-se a publicação. A imagem que projetamos para os outros, é a que quisermos, e pode ser real ou não. Parece perfeito, inócuo e contudo, a obsessão pela auto-imagem acaba por nos roubar a autenticidade. Cada vez se perde mais tempo a construir o perfil adequado, a selecionar as melhores fotografias, os melhores ângulos, a projetar o Eu ideal, o Eu perfeito. Em suma, o Eu que não somos mas que gostaríamos de ser. 


E porque o fazemos? Porque queremos mostrar ao mundo uma versão otimizada de nós mesmos?

Atualizamos ao minuto os perfis no Facebook, e mesmo que estejamos num grupo de amigos,continuamos ligados às dezenas de outros que estão online. Espera-se que respondamos imediatamente às dezenas de emails. Temos a ilusão de estarmos acompanhados, mas estamos afinal sozinhos. Juntos, mas sozinhos. 

Sherry Turkle, especialista em cultura digital é autora do livro Alone Together (Sozinhos Juntos), e fala dos paradoxos deste admirável mundo paralelo, parte da premissa de que quanto mais amigos virtuais fazemos, mais sozinhos estamos, quanto mais "conectados", mais distantes. O mundo das redes sociais como o Facebook, com milhões de utilizadores que passam aí várias horas diárias, ilude-nos ao ponto de acreditarmos que estamos acompanhados - nem que seja na nossa solidão.

Não é raro nos bares, cafés e restaurantes, imagens como esta: um encontro de amigos em que cada um está agarrado ao seu telemóvel a interagir com alguém ausente. Ou o casal que saiu para passar uma noite romântica mas que acaba separado pelo ecrã do telemóvel ou do tablet. Estarmos fisicamente num sítio e virtualmente noutro é cada vez mais vulgar. Exigimos de nós mesmos disponibilidade constante para responder a um sms ou email e ficamos ansiosos se essa disponibilidade não existe. A ideia de que estamo-nos a aperfeiçoar em viver a nossa própria solidão é assustadora. Sherry Turkle numa das páginas do seu livro diz: "O que as pessoas querem do espaço público é estar sozinhas com as suas redes pessoais."

Já muito se escreveu sobre o admirável mundo novo da cultura digital, e a escritora faz uma reflexão sobre a forma como nos está a mudar. Sherry traça um retrato negro da "webização" global onde as crianças pedem aos pais que larguem os telemóveis e lhes deem atenção, e os adultos deixam de partilhar angústias e medos com familiares e amigos. Há, na sua análise, uma nostalgia por velhas formas de comunicação, mas não a ideia de que devemos pôr de lado a tecnologia, até porque ela nos traz coisas incríveis como reencontrar pessoas do nosso passado de quem tínhamos perdido o rasto. Nada disto acontece sem paradoxos. O mundo virtual tanto nos dá como nos tira.

Alone Together centra-se bastante nos adolescentes, a geração que nasceu como "nativa digital", cresceu com telemóveis e brinquedos como o Tamagoshi - e a alimentar perfis nas mais variadas redes sociais. E há muitas. Para além do popular Facebook há ainda o Twiter, Instagram, Printerest, LinkedIn, MySpace, e outros. As novas gerações mais rapidamente mandam um sms, um email ou um chat do que dizem um “Olá”, olhos nos olhos de alguém. Os adultos estão a desaprender espontaneidade, risco e imprevisibilidade das relações humanas, as novas gerações nem sequer imaginam o que isso é. 

A insegurança das relações e a ansiedade sobre a intimidade" faz-nos procurar na tecnologia formas de nos relacionarmos e, ao mesmo tempo, de nos protegermos e escondermos. Temos cada vez mais medo da interação com outros seres humanos, tememos os riscos e as desilusões que nos possam causar e passámos a esperar mais da tecnologia e menos das pessoas de carne e osso. Criámos robôs e avatares próprios de um mundo virtual que se estende ao nosso dia-a-dia atordoado por dezenas de emails que carecem de resposta aqui e agora; esperamos pelos likes e comentários no Facebook, pelos re-tweets e mensagens escritas à espera de um feedback imediato. Essa voracidade fez-nos perder o tempo e o espaço para a reflexão e para o direito a simplesmente desligarmos. A solidão tornou-se numa espécie de doença que já não sabemos combater. Em vez do medicamento das relações verdadeiras, tomamos o placebo da comunicação virtual constante.

Como resultado do uso excessivo dos meios virtuais, mesmo o indivíduo que considera ter muitos amigos, acaba por sentir-se cada vez mais sozinho. Como somos vulneráveis à solidão, agarramo-nos cada vez mais à tecnologia para tentar preencher esse vazio. 

As redes sociais dão a impressão de que somos sempre “ouvidos” e nunca estamos sós. Partilhar experiências online é para muitos a única forma de se sentirem vivos, integrados, e aqui também, para essa sensação de integração contribuem os grupos. Estamos cada vez mais cativos desta nova forma de socializar que não socializa, de pertencer sem haver pertença.

Uma das reflexões que podemos fazer é sobre o modo como fazemos projeções nos objetos eletrónicos (os telemóveis, os computadores, os tablets) ao ponto de acharmos que fazem coisas por nós, criando a ilusão de que são humanos, que têm emoções e que são uma extensão de nós próprios. À partida, a ideia parece demasiado futurista, mas quem já não teve a sensação de ter perdido parte da vida ao perder um telemóvel, por exemplo? 

Antes íamos de férias e se calhar enviávamos um postal aos amigos mais próximos. Hoje estamos na praia e fazemos um post no Facebook que relata ao minuto onde e com quem estamos. 

Em Portugal temos uma taxa altíssima de telemóveis (em proporção, mais alta que nos EUA) - quase 90% . A nível global, o Facebook continua a estar no Top. Em Portugal mais de 90% dos utilizadores de Internet têm perfil nesta rede social (segundo a Obercom). Do sucesso da rede faz parte o facto de incorporar a função de chat - mensagens instantâneas - mas também um perfil, alimentado com fotos, posts, likes e partilhas. Têm aparecido muitos estudos sobre o tema. Por um lado, várias análises apontam para o facto de as pessoas tenderem a partilhar coisas felizes, dando a imagem de que as suas vidas são fantásticas; por outro, há quem diga que, mesmo involuntariamente, os utilizadores acabam por passar a imagem da sua verdadeira identidade.

O Facebook constrói ou destrói amizades? Reforça ou fragiliza os laços que já existem? Acentua o lado narcisista que há em nós? Provoca angústia ou felicidade? Estes são alguns dos muitos aspetos ligados ao Facebook que têm sido analisados.

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A verdade é que os perfis nestas redes sociais acabam por tornar-se versões robotizadas de nós próprios. Versões que não correspondem à complexidade e complicação que somos.

No mundo social também encenamos uma versão de nós mesmos, é um facto. Mas a diferença é que no Facebook, há uma imagem que se sobrepõe ao resto, que está lá, fixa, está exposta ao mundo, tem consequências e transforma-se na nossa identidade. É uma imagem atrás da qual as pessoas se escondem, ou escondem as fragilidades. Paradoxalmente, há uma exposição cada vez maior quando as pessoas fazem posts que mostram o sítio onde estão, com quem estão, a que horas e a fazer o quê, de uma maneira que quase nos permite acompanhar passo a passo a geografia das suas vidas.

O que é que afinal escondemos e mostramos? Este é outro dos paradoxos: Escondemos traços da nossa personalidade, ou aspetos da nossa vida que nos podem danificar enquanto “produto de consumo” e, ao mesmo tempo, a revelar, de uma maneira assustadora, aquilo que devíamos ocultar. O GPS revela onde estamos. Aplicações da GoogleMap por exemplo, revelam onde estamos. Mas mais aterrador do que estarmos permanentemente a revelarmos dados que correspondem à nossa privacidade é o facto de nem sequer estarmos a prestar atenção nenhuma ao facto de nos termos tornado nos instrumentos da nossa própria vigilância.

À medida que usamos cada vez mais o email, atualizamos ao minuto os nossos perfis e documentamos o nosso quotidiano, estamos também a arquivar mais partes da nossa vida e a alargar os ficheiros das nossas memórias. Já não escrevemos cartas. Para quê se há o e-mail. O chat... o Facebook? Inclusivamente, esta rede social está a tentar incentivar a ideia de que o nosso perfil é uma carta, que a nossa cronologia (timeline) é a nossa memória, o arquivo da nossa vida, o nosso diário. E o que vai acontecer ao nosso sentido da memória quando o Facebook acabar? É interessante pensar nisso.

Todavia, acreditando que estamos na infância da Internet, daqui a dez anos, como será? O que virá substituir o facebook e as outras redes sociais? Mas mais importante, daqui a dez anos, o que virá substituir a nossa humanidade? Encontraremos ainda uma forma de voltar atrás nesta viagem vertiginosa pelo mundo tecnológico, no que à forma como nos relacionamos diz respeito, ou seremos, daqui a nada, cada um de nós uma ilha, isolada, solitária e inacessível?





Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Internet

Artigo publicado no Jornal Região Oeste
www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste

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