Foto de Perfil- Telmo Faria - O Feiticeiro de Ó(bidos)
“Cresci num ambiente rural, extremamente rico e feliz”
Diz que se “fez” no Arelho (Óbidos). Passou parte das férias a trabalhar na agricultura, declara-se marcado pela ideia do trabalho permanente e o espírito de sacrifício.
Telmo Faria não é um verdadeiro feiticeiro, mas fez magia em Óbidos. Foi um dos presidentes de câmara mais jovens do país e colocou o concelho, sobretudo a Vila Medieval sob as luzes da ribalta. Diz que a ideia de que nada está garantido o constrói todos os dias e que rever a escola primária onde estudou, vários anos depois, e constatar que ela se encontrava na mesma, criou-lhe a angústia que o fez envolver-se empenhadamente nos processos de educação. Recorda-se das festas do 25 de Abril na Casa da Música em Óbidos, no fim década de 70 e da força da sua relação com Caldas da Rainha.
E a Lagoa? Também foi sempre uma paixão para ti?
Lembro-me que, era ainda muito pequeno, fugia sempre que podia para o campo de futebol na orla da lagoa. As vacas pastavam no juncal e havia um centro leiteiro, onde íamos às sete da tarde buscar o leite para o pequeno-almoço do dia seguinte. Cresci num ambiente rural extremamente rico e feliz. Tanto ia para a lagoa com os meus amigos, como íamos apanhar laranjas ou fazer patuscadas com as galinhas de alguém (risos). Fomos pela primeira vez ao cinema, todos juntos num trator, para ver o Rambo no “Estúdio I” nas Caldas. Contar isto aos meus filhos é um bocado anacrónico hoje em dia. (risos)
E a dada altura foste contagiado pelo bichinho da política…
Eu gostava muito de fazer teatro e fi-lo no Liceu Raúl Proença em meados da década de 80. Caldas da Rainha era a cidade mais cultural do distrito de Leiria. Depois, quando fui estudar para Coimbra, envolvi-me nos movimentos associativos ligados ao mundo académico e fiz parte dos órgãos de gestão e do conselho pedagógico da faculdade.
Ainda hoje tenho muito orgulho em ter participado na criação de duas disciplinas: “História da Universidade de Coimbra” e “História da Cidade de Coimbra”. O gosto por participar ativamente nos projetos vem daí. Com 19 anos, entrei então para a JSD.
E acabaste por te tornar Historiador e autor. Escreveste vários livros, alguns sobre o Estado Novo. És um homem virado para o futuro mas atento ao passado.
Este passado ensina-te, de alguma forma, como dizia Thomas Edison, “as 1001 maneiras de como não fazer uma lâmpada”?
Sim. Não repetir os erros. Quando tu estudas um regime autoritário que vem na sequência de uma crise do liberalismo, essa questão está sempre presente porque a crise dos regimes democráticos existe. A história ensina-nos que a seguir vieram regimes autoritários que deixaram a Europa completamente destroçada. Vinte anos de ditaduras dizem-nos que temos que estar alerta para não regressarmos a esses regimes. É bom que cuidemos bem da nossa democracia, porque o que existe a seguir não é melhor.
E na tua opinião só existem estas duas alternativas? Ou ditadura ou democracia?
Eu acho que só há um sítio para se estar e esse sítio é a democracia. Tudo o resto traz violência e miséria. O séc. XX provou-nos que, seja a Esquerda ou a Direita, os autoritarismos, os fascismos e os comunismos não trouxeram nada de bom à humanidade. É preciso que cuidemos dos regimes democráticos e que saibamos adaptá-los à evolução das sociedades e às suas necessidades. Atravessamos agora um período conturbado e notamos que a democracia traz consigo um questionamento permanente sobre a sua própria eficácia, mas acho que não vale a pena perder muito tempo com a questão. O que é preciso é consolidar e fazer crescer os valores do mundo livre.
E achas que estamos agora a cuidar bem da nossa Democracia?
Acho que fazemos maus diagnósticos e que temos políticos que se preparam pouco, lêem pouco, trabalham pouco e fazem pouco trabalho de casa. Tive agora uma experiência dentro do meu partido (PSD), onde participei nas Diretas, e vi isso de muito perto. Há uma tendência para facilmente se darem entrevistas e fazerem diagnósticos que para os menos atentos podem parecer muito interessantes, mas que não resultam de uma observação profunda e trabalhada. E nesse aspeto, a democracia está mal. Ou seja, os intérpretes da democracia conseguem violentar a própria democracia por força de maus diagnósticos e más observações e isso descredibiliza os partidos e descredibiliza a democracia.
Achas que o paradigma entretanto mudou? Ou seja, já não estamos a viver a fase em que as pessoas se querem distanciar da política, mas têm hoje uma grande aversão aos políticos?
Sim. Isso mostra que o problema não está no regime, mas nos intérpretes. Nos atores. Dou um bom exemplo: o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa que é por esta altura um presidente altamente popular. Nem sempre foi assim com os Presidentes da República. Ele consegue ter pessoas da direita, esquerda e centro que gostam dele. Ele consegue passar uma relação de proximidade com as pessoas. Porque é que outros não o conseguem? Tudo tem a ver com os atores.
Isso remete-me para ti. Tu, enquanto Presidente da Câmara Municipal de Óbidos tiveste também essa postura, essa relação de grande proximidade com as pessoas…
Acho que o que aconteceu em Óbidos foi que eu investi numa agenda e num discurso de transformação que as pessoas não rejeitaram. A mudança é uma coisa que assusta e é muito mais dura de se fazer do que parece, mas também é aquela que mobiliza mais. Quando se consegue que as pessoas confiem e acreditem, é possível contagiá-las. E isso é possível seja em que panorama for, a nível autárquico ou nacional. Até porque, falando a nível nacional, Portugal é um país engraçado: Consegue, por exemplo, na cultura ou no desporto, ser dos melhores, e isso dá-nos uma grande dose de auto-estima e confiança. Fazer? Que mudanças? As políticas têm que ser montadas para se fazer mais dinheiro, mais PIB. Mas para organizar estas políticas é preciso população ativa. É preciso olhar o futuro a médio e longo prazo. Para se dar o aumento da natalidade, temos que criar um ambiente de segurança e prosperidade económica.
A 11 de janeiro deste ano foste agraciado com a Chave da Vila, por ocasião do Feriado Municipal de Óbidos. O que é que sentiste?
A Chave de Vila foi uma criação minha e eu já a tinha atribuído aos Bombeiros de Óbidos para simbolicamente lhes dizer “acreditamos em vocês, são muito importantes na nossa vida coletiva”, depois quando a recebi, achei um pouco exagerado. Mas percebi e fiquei orgulhoso. Para mim, o mais importante foi ter contribuído para a chegada de um novo dispositivo mental. Em 10 anos investimos cerca de 200 milhões e era impossível não se ver isso e traduzi-lo em apoio eleitoral. Hoje mantemos a ideia de que apesar de Óbidos ser um concelho pequeno, pode continuar a ter uma agenda e a trabalhar grandes projetos, inovando-se e distinguindo-se. A pior coisa que me podia acontecer era sair da Câmara e sentir que tudo regressava ao que era antes.
Foste distinguido com vários prémios pela forma como colocaste Óbidos no mapa, mas tiveste também alguns projetos polémicos. O Parque Tecnológico, por exemplo, um plano ambicioso e solitário. Tiveste muita resistência?
Eu consegui realizar este projeto graças à confiança da equipa que estava comigo. É verdade que eles não estavam tão convencidos quanto eu estava, porque nós já estávamos a entrar num período de crise no país e o investimento era de 5 milhões. Mas eu senti que se não o fizesse, nunca seria feito. Acho que hoje, todos reconhecem o seu valor. O Parque Tecnológico foi um parto difícil, mas possível porque a minha equipa confiou em mim.
Hoje tens outros projetos ligados à hotelaria. O que é que te fez passar para esta área?
Foi uma coisa que aconteceu graças à minha mulher, a Marta. Ela esteve sempre ligada à hotelaria e ao casar-me comecei a lidar também com esta área. Hoje gerimos dois hotéis, o Rio do Prado e o Literary Man em Óbidos, fruto desta ideia da força dos conceitos. Quando tens um bom conceito, podes até fazer um hotel no fim do mundo que ele vai funcionar.
E as tuas aspirações políticas? Ainda podemos voltar a contar contigo neste palco?
A minha participação política faz-se dentro do PSD. Tive um regresso nesta campanha interna, e a minha participação é sempre uma porta em aberto. Não sei o que é que isso vai dar até porque estou um bocadinho zangado com o rumo dos últimos tempos. É como se eu estivesse a ver uma coisa e gostava que os outros também vissem.
Estás zangado devido à derrota do Pedro Santana Lopes?
Não. Não estou zangado com isso. Claro que eu gostava muito que o Pedro Santana Lopes tivesse ganho porque ele tinha outra abertura. Noto que o Rui Rio traz alguma falta de entusiasmo e dificuldade de acreditar na própria vitória do candidato Rui Rio. Acho que ele não passou esse entusiasmo e isso pode ser mau para o PSD. Um líder é feito da sua capacidade de mobilizar e galvanizar os outros. Isso tem que vir de dentro dele, e não creio que o Rui Rio tenha isso dentro dele. Mas não podemos ter um espírito derrotista. Temos é que fazer com que as pessoas percebam que o PSD é um partido fundamental para a transformação e crescimento do país.
E o Telmo Faria, pai, que valores passa aos seus filhos?
O que mais me assusta é que um jovem cresça a acreditar que não é preciso trabalhar muito para atingir objetivos. Eu nunca fui uma pessoa muito preocupada em ganhar dinheiro, mas preocupei-me sempre em fazer coisas. Trabalhar e concretizar. E é isso que eu tento passar aos meus filhos. A atitude deve ser estudar e trabalhar muito. Para fazer coisas na vida é preciso estar permanentemente a estudar. Eu não quero que os meus filhos sejam como eu. Quero ver, a partir deles, coisas novas, coisas que eu nunca vi.
Melhor qualidade- Capacidade para refletir sobre os erros.
Pior defeito- Teimoso.
Prato favorito- Caldeiradas e Feijoada de Polvo.
Livro favorito- Crime e Castigo de Fiódor Dostoiévski
Momento inesquecível-Quando ganhei a Câmara de Óbidos, quando os meus filhos nasceram, o meu casamento, o dia em que soube pela primeira vez que ia ser pai e nesse mesmo dia soube também que o meu pai tinha um tumor. Todos estes momentos são inesquecíveis.
Local de férias- As praias do mundo.
Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Margarida Silva
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
Artigo publicado no Jornal Região Oeste
www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste
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