Onde há redes, há rendas!

Se tradicionalmente, os homens se dedicavam à pesca e à lavra dos campos, as mulheres, para além de auxiliarem na salga, que consistia na transformação e armazenamento do pescado, entretinham-se, geralmente à porta de casa, a rendilhar delicadas e alvas peças com bilros. A venda complementava muitas vezes o parco rendimento obtido na árdua labuta piscatória.


As rendas de bilros, verdadeiro ex-líbris do artesanato penichense, parecem remontar ao séc. XVII, data de que se conhecem os primeiros documentos referindo esta arte. É já durante a segunda metade do séc. XIX que se assiste ao apogeu artístico e técnico das rendas de bilros de Peniche. Por volta de 1865, oito oficinas particulares, onde as crianças a partir dos quatro anos se iniciavam na produção do artesanato foram percursoras de outras que vieram mais tarde, tal como a Escola de Desenho Industrial Rainha D. Maria Pia, criada em 1887 e mais tarde, Escola Industrial de Rendeiras Josefa de Óbidos. Atualmente, as rendas de bilros de Peniche podem ser aprendidas e aperfeiçoadas na Escola Municipal de Rendas de Bilros que acolhe de segunda a sexta-feira, jovens e adultos, sobretudo do sexo feminino, dos 6 aos 90 anos.


Ana Rita Trindade Petinga, vereadora do pelouro da cultura e vice-presidente da Câmara Municipal de Peniche também é responsável pela área de desenvolvimento económico. Garante que não se vive das rendas porque é uma arte morosa e cara e explica que há peças
que podem demorar um ano a serem feitas. A responsável, conta ainda ao nosso jornal que a escola possui o registo de desenhos antigos, mas são frequentemente criadas novas combinações e novos desenhos a partir do que já existe.
“A maior parte das rendilheiras, sabem interpretar os desenhos mas não sabem fazê-los, pelo que se houver um engano no desenho elas fazem mal a renda”. Por isso mesmo, “o município aposta na formação para todo o processo da criação das rendas, desde o desenho
à sua conceção”.
Há registos de rendas com mais de 400 anos, e pensa-se que terão sido os nórdicos ou até numa fase anterior, os fenícios a trazerem esta arte para Peniche.
Na escola de bilros, cerca de 250 rendilheiras, 50 delas crianças a partir dos seis anos aprendem e desenvolvem esta atividade. As faixas etárias centram-se sobretudo em pessoas já na terceira idade, e as crianças têm acesso à arte dos bilros através das escolas, com a realização de vários eventos como os que vão acontecer já durante o próximo mês de março em que as rendas vão às escolas do concelho, para dessa forma possibilitar às crianças um primeiro contacto com a arte através do ensino que generosamente é facultado pelas rendilheiras. Para a diversão que faz parte do mundo dos mais pequenos, fazem-se jogos subordinados ao tema. 
A Câmara Municipal trabalha empenhadamente na promoção e divulgação desta atividade, mas muitas são as pessoas que procuram a Escola de Bilros proativamente.
No plano económico, grão a grão, ou melhor dizendo, bilro a bilro, esta arte vai dando frutos. Os trabalhos são vendidos, os turistas sentem-se atraídos, uns visitam apenas, mas há deles que também querem aprender e há encomendas.
Ana Rita Petinga diz que a marca certificada vem a caminho. O sonho agora é tornar as Rendas de Bilros de Peniche, Património Material da UNESCO. Um processo longo e demorado que se seguirá à certificação nacional. Mas para já, a criação de sinergias entre os
vários municípios da Região Oeste com vista ao engrandecimento e valorização do que cada um tem de melhor, é uma estratégia da OESTECIM que pretende consolidar aquilo que já está a ser trabalhado em termos de rede. Ana Rita Petinga, defende a concentração na de rotas turísticas na Região Oeste, de forma a que, quem nos visita não perca o que cada concelho tem de mais característico e valioso.


O entusiasmo da autarquia canaliza- se agora para a Mostra Internacional de Rendas, que terá quinze delegações estrangeiras em Peniche, para um evento que incluí também duas passagens de modelos , uma mais profissional e outra mais tradicional.
A Mostra Internacional de Rendas vai ter lugar de 19 a 22 de julho. Na noite de 21 de julho haverá a passagem de modelos profissional e no dia seguinte, uma outra um pouco mais
amadora, com as próprias rendilheiras a passarem os seus vestidos com aplicações em renda. Mas quem pensa que esta arte serve apenas para ser aplicada em
tecidos, não podia estar mas enganado.
O lançamento da Renda Doce que associa assim a gastronomia às rendas de bilros, acontecerá a 6 de maio, Dia da Mãe, numa homenagem a todas as mães rendilheiras. “A Renda Doce é uma bolacha muito fina que tem uma aplicação de glacé no formato de uma renda.  Esta bolacha é feita à base de algas, gengibre e limão”, explica-nos a vereadora. Esta é uma inovação que surge da parceria entre a Câmara Municipal de Peniche e a ESTTM - Escola Superior de Tecnologia e Turismo do Mar, e a ESAD - Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha.
O município está preocupado em preservar esta tradição tão caraterística de Peniche e as rendas de bilros são também levadas para outros campos artísticos, como por exemplo, a arte urbana. “Mais uma vez a ESAD participa nesta inovação no que diz respeito à arte urbana”.
A informação é-nos mais uma vez passada por Ana Rita Petinga que nos mostra outras utilidades para as rendas de bilros de Peniche, como a joelharia e o calçado.
Tradicionalmente feitas com linha branca, estas rendas também sofrem agora uma evolução com a inclusão de várias cores para dar um toque de modernidade à velha arte. “A ideia, é levar cada vez mais as rendas de bilros para fora de Portugal. Em março a vizinha Espanha receberá as rendas de bilros de Peniche e em setembro a Itália”.

Sónia Araújo e Tânia Ribas de Oliveira, são algumas das caras conhecidas do grande público, apaixonadas pelas rendas de Peniche e até Marcelo Rebelo de Sousa já recebeu de presente uma peça feita em renda de bilros.
Em números, os rendimentos para o município, não são significativos mas o que é importante é o desenvolvimento turístico, sendo que o município investe por ano cerca de 30 mil euros na dinamização desta atividade, excetuado salários de colaboradores e valores investidos nos materiais necessários.
Procuram-se já parcerias com marcas nacionais, nomeadamente na área da maquilhagem, e outros produtos de beleza que proliferam no mundo feminino. Também algumas marcas de chocolates já foram abordadas para estabelecer parcerias, embora até à data ainda nenhuma se tenha efetivado. 

A rendilheira mais antiga, D. Matilde já tem 86 anos e é ainda uma rendilheira no ativo. Diz que começou em criança e que é fácil apanhar o jeito. A prática dá a destreza de mãos necessária para incluir mais que os quatro bilros iniciais. Mas há quem diga que não é nada fácil. É o caso de Dores, que começa agora a descobrir os segredos do manuseamento dos bilros e da interpretação dos desenhos, e confessa que ainda recorre muitas vezes à ajuda de uma das quatro professoras que acompanham as rendilheiras.
O Museu das Rendas de Bilros recebe cerca de oito mil visitantes por ano. As entradas são gratuitas e aqui é possível entrar em contato com a história destas rendas, desde os primeiros tempos até à atualidade. O espaço, divido entre uma área de exposição permanente e outra temporária, mostra os vários trabalhos feitos ao longo dos tempos, alguns trabalhos premiados nos concurso levados a cabo pelo município e outros que vão sendo rebuscados de um passado em que os homens saiam para a pesca e as mulheres, se sentavam à soleira das portas a fazer a renda que se tornou um dos ex-líbris do concelho.
Prémios nacionais e internacionais já são muitos, e servem sobretudo, para provar que esta arte, está bem viva e recomenda-se.


Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Ana Cristina Pinto

Artigo publicado no Jornal Região Oeste
www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste

Comentários

Mensagens populares