Mulher, Mãe, Deusa

Uma trindade no feminino que ainda persiste num canto ou outro da Terra



A mãe é aquela que cuida, acolhe, carrega, ama, beija, abraça, ensina e sustenta o seu filho. Mas a mãe também é mulher e se para a maioria de nós o matriarcado é um mito, ou uma memória vaga de um passado longínquo, talvez fantasioso, tal não significa que ele não existiu. Na verdade, o matriarcado foi, ao longo de vários séculos, uma das bases mais importantes na construção das sociedades. “Não é raro ouvirmos piadas sobre as mulheres. Algumas dizem: As mulheres só não governam o mundo porque não decidiram ainda o que vão vestir. Pode parecer redutora esta observação ao universo feminino, mas de certo modo ela é exata, porque nós somos perfeitamente capazes, tão ou mais capazes que os homens, de governar o mundo, mas estamos muito perdidas no acessório, no que não é fundamental. A culpa não é inteiramente nossa. As sociedades, desde há largos séculos, maioritariamente patriarcais, têm feito um grande esforço para remeter as mulheres a um lugar insignificante”
É assim que começa por falar destas sociedades matriarcais, a escritora e investigadora, Luiza Frazão, residente em Óbidos, mas frequentemente cidadã do mundo, em especial, do mundo onde habita o Sagrado Feminino: A mítica Avalon na misteriosa Glastonbury, ou Creta na Grécia. 
Segundo esta investigadora e autora do livro “A Deusa do Jardim das Hespérides”, temos várias deusas em Portugal, e elas estão entre nós há mais tempo do que podemos imaginar. Muito antes dos romanos se terem fixado no país, Fenícios e Celtas, em especial estes últimos, terão deixado ao povo Luso um legado importante no âmbito das sociedades matriarcais e o Sagrado Feminino. Afinal, Luiza Frazão afirma: “A cultura celta nasceu na Galiza e no Norte de Portugal e a mulher, a mãe, é afinal, desde os tempos ancestrais, o pilar mais importante das sociedades”

“No princípio era… um oceano feminino. Durante dois biliões e meio de anos, todas as formas de vida terrestres flutuavam numa espécie de grande útero oceânico, alimentadas e protegidas pelos seus fluídos químicos, embaladas pelo ritmo lunar das marés. Charles Darwin acreditava que o ciclo menstrual teve aqui a sua origem, um eco orgânico do pulsar do oceano ao ritmo da lua. (…) No princípio a vida não foi gestada no interior do corpo de nenhuma criatura, mas sim dentro do útero oceânico que continha toda a vida orgânica. Não havia órgãos sexuais diferenciados, mas tão somente uma existência feminina generalizada que se reproduzia a si mesma dentro do corpo feminino do mar.” 
(Excerto do Livro de Luiza Frazão, A Deusa do Jardim das Hespérides). 

Embora as sociedades atuais e modernas, sobretudo a Ocidente, se tenham desligado da influência matriarcal, outros lugares do mundo, sobretudo a Oriente, vivem ainda sob a égide feminina, e é a figura materna, aquela que mais se destaca e respeita. A área montanhosa a mais de três mil metros do chão, na região do Lago Logu na China, protege a tradição matriarcal do povo Mosuo. O poder de manter, organizar e cuidar da sociedade é uma responsabilidade das mulheres. O papel de administrar e cuidar da família possibilita uma tradição de respeito pelas mulheres, que o Ocidente tem vindo a esquecer. E aqui, o elo entre elas, as que já são e as que serão mães um dia, é forte e verdadeiro. 
Ao contrário do que é comum no resto do mundo, a rivalidade não faz parte destas mulheres. “A maior parte das vezes o Ocidente ignora narrativas além da sua, tomando-a como única. O pensamento comum restringe o conhecimento das sociedades matriarcais ao período paleolítico, quando alguns estudiosos acreditam que os nómadas endeusavam a figura feminina por ser capaz de gerar a vida. O culto do feminino ligado ao vínculo materno, segundo vários autores e investigadores, possibilitou às mulheres dessa época, maior prestígio e poder organizacional. Alguns dizem que tais comunidades se tornaram patriarcais a partir da revolução neolítica, em que a humanidade passou a viver da agricultura e a perceber o papel da fertilidade masculina na proliferação da espécie. O que parece ser verdade para a sociedade europeia, cultura na qual o patriarcado realmente se consolidou”. Explica Luiza Frazão. 

A experiência da investigadora ilustra a liberdade e o protagonismo feminino das antigas sociedades matriarcais em oposição ao patriarcalismo contemporâneo. “Enquanto os homens passavam longos períodos fora para trabalhar ou caçar, por exemplo, o papel de prover e ser a chefe da família era das mulheres. O elemento mais importante – a matriarca – é a avó mais velha, que passa a linhagem hereditária de mãe para a filha e atribui à mulher a fonte de suporte para os parentes que a cercam e obedecem. Nesse sentido, a figura do pai é inexistente e mesmo depois de gerarem os próprios filhos, continuam na casa da mãe, e a criança é cuidada coletivamente”. Explica. 

A tendência matriarcal da cultura Mosuo, pensam alguns, é uma consequência do culto à criação da vida a partir do ventre. Como o ser só pode ser gerado a partir da mulher, no seu período de incubação no útero, o homem tem um papel secundário nessa criação. Mas um estudo feito pela Associação de Desenvolvimento Cultural do Lago Mosuo Logu, concluiu que essa estrutura promove a igualdade entre os géneros, porque ambos têm posições de prestígio. O matriarcado não exclui os homens, determina o seu papel em empreender fora da comunidade, e quando retorna, entrega à matriarca o que ganhou como gratificação pelo seu esforço dentro de casa. Como toda a família vive sob o teto da mulher mais velha, as meninas, ao completarem catorze anos, passam por um ritual de iniciação à vida adulta e passam também a fazer parte do círculo de decisões da comunidade. Assim, conquistam o seu quarto individual com a liberdade de receberem os homens no seu espaço próprio, sem precisarem de nenhum vínculo social. Os homens, por outro lado, sempre dormirão em quartos coletivos. A palavra casamento não existe, e mesmo que o relacionamento seja longo, a descendente da matriarca permanece em casa. 
“O estilo de vida dessas mulheres pode inspirar-nos a mudar as nossas crenças. Devido à nossa educação, desconhecemos tradições e práticas de culturas distantes. Dessa maneira, consideramos a ideia de liberdade feminina a partir da nossa história, inovadora e única. A nossa autonomia está em constante construção, e o tradicionalismo das culturas matriarcais ensina que além do forte vínculo carinhoso entre mulheres, existe também a possibilidade de uma liberdade que desconhecemos”, refere Luiza Frazão. “São raros, mas existem ainda lugares em que quem tem todo o poder são as mulheres. Onde elas podem escolher os homens com quem dormirão a cada noite. Onde a política é um assunto exclusivo delas. Onde o homem obedece sem constrangimento”

Assim é também Loshui, um pequeno povoado da China, o último matriarcado de que se tem notícia e faz-nos pensar sobre a sociedade tradicional e as mudanças nos papéis dos homens e das mulheres nos dias de hoje. Luiza Frazão alerta que é tempo de nos questionarmos sobre o que ganharia o mundo com uma acão mais direta e acutilante das mulheres. “A larga maioria das mulheres é mãe ou virá a sê-lo”, diz. “Temos características únicas, uma sensibilidade e capacidade de amar o outro, que é só nossa. Talvez as guerras, por exemplo, acabassem. Afinal, nenhuma mãe cria um filho para ir para uma guerra”.

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Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Ana Cristina Pinto
Artigo publicado no Jornal Região Oeste
www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste

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