Foto de Perfil: Ricardo Miguel
"Nada é desligado de nada. (...) E o teatro é muito útil para a política."
Nasceu a 7 de Janeiro de 1981 nas Caldas da Rainha, mas foi no Cadaval que viveu toda a sua vida. A terra que entretanto aprendeu a amar, vê-o diversas vezes em vários palcos: no teatro, na política e no ensino. Hoje, dá aulas no Externato da Benedita, milita o PCP e integra o Grupo Gente Gira para levar a arte da representação aos que amam o Teatro de Revista (quase) tanto como ele.
Com mais dois irmãos, ele, o rapaz do meio, estudou no Cadaval até sair para a Faculdade de Letras em Lisboa. Neste percurso, não deixou de respirar o Montejunto. Define-se como um homem de convicções e de paixões. Sorri quando fala da Pera Rocha e dos vinhedos, ou do casario que serpenteia a vila. Pelas gentes do Cadaval, gentes simples e rurais, nutriu um amor maior. Um amor maior que se tornou gigante. Falamos de… Ricardo Miguel.
O que é que a maioria das pessoas não sabe sobre o Ricardo Miguel?
- Não sabem que sou professor, que dou aulas de geografia no Externato Cooperativo da Benedita e agora também na Escola Técnica e Empresarial do Oeste numa turma de turismo. Há 20 anos que faço parte do Grupo de Teatro Gente Gira e mais recentemente também faço parte da Direcção dos Bombeiros Voluntários do Cadaval. Desde os 18 anos que tenho uma participação politica ligada ao PCP. Fui, durante alguns anos responsável da Concelhia, fiz parte da Direcção Regional e agora sou membro da Comissão Concelhia por opção, uma vez que não tenho tempo para “combater” em todas as frentes.
E de todas essas atividades que te correm nas veias qual delas é que te corre mais nas veias?
Eu acho que é o Teatro. Gosto muito de dar aulas, claro! Sou professor porque quis ser professor, não me “calhou na rifa” sê-lo. Acho que consigo estabelecer uma boa relação com os meus alunos e com os meus colegas. Dar aulas realiza-me. A participação politica também é importante para mim, não porque seja um sonho meu fazer carreira política, mas porque gosto de ajudar a resolver coisas. Eu fico satisfeito quando ao nível local nós conseguimos por exemplo, mandar pintar uma passadeira, ou quando, graças à nossa intervenção, conseguimos que se coloquem calhaus a proteger de uma ribanceira na Serra do Montejunto. Portanto, podem até ser coisas muito pequenas que já melhoram a qualidade de vida das outras pessoas. É nesse sentido que eu gosto da participação política, mas é o teatro que me preenche mais, onde se calhar é mais fácil fazer as outras pessoas felizes é no teatro. Na política muitas vezes as questões são de médio/longo prazo, na escola também, sabemos que o nosso aluno será médico ou enfermeiro, ou estará um dia numa loja a trabalhar atrás de um balcão, contamos que sejam felizes na sua vida futura, mas nós no teatro conseguimos logo naquele momento que as pessoas sejam felizes. É uma mais-valia do teatro.
Quando estás a fazer teatro sentes-te a fazer política, ou quando estás a fazer política sentes-te a fazer teatro?
Nada é desligado de nada. (risos) E o teatro é muito útil para a política. A capacidade de interpretarmos as outras pessoas, até aquele sentido que o teatro nos dá é útil para a política mas eu tento que em cada momento as coisas fiquem separadas. Ou seja, não faz muito sentido ir para o teatro para fazer política ainda que isso não seja difícil de acontecer porque o teatro também tem um caracter politico, e muito menos ir para a política fazer teatro. E quando a questão é se de alguma maneira há algum aproveitamento disso, então eu faço sempre para que não haja. Efetivamente, no teatro deparamo-nos com pessoas de todas as sensibilidades políticas, temos lá candidatos para todos os partidos e não era justo para o próprio grupo que houvesse esse aproveitamento.
E o público em geral, a comunidade, costuma separar o Ricardo Miguel político do Ricardo Miguel ator?
Ah, separam. Senão eu já tinha ganho as eleições! (risos) No teatro, as pessoas aplaudem e gostam das minhas participações mas não é ali que eu conquisto eleitores. E acho que isso faz todo o sentido porque as pessoas podem gostar de ver os espectáculos em que participo, podem apreciar a minha atuação em palco mas as suas convicções politicas e a sua ideologia não se traduz nos votos. Sinceramente, não estou à espera que da minha participação no teatro venham votos. Graças ao teatro tornei-me mais conhecido e isso ajudou-me, obviamente que não vou dizer o contrário. Hoje se calhar, toda a gente me conhece no concelho o que é uma mais-valia que vem do teatro mas não é isso que me traz votos.
O Grupo Gente Gira foi um sonho realizado?
Sim. É um sonho realizado, foi um sonho que não começou comigo, quando eu entrei já o grupo tinha 3 anos, mas é muito bom perceber que ao longo destes 20 anos o grupo foi crescendo, foi entrando muita gente, e o grupo continua. Uma das minhas preocupações foi sempre permitir que o projecto siga sem depender de mim. Um dia não estarei como é normal. Há outros projetos, outras responsabilidades que as pessoas assumem. Eu neste momento faço parte de uma direcção, da qual não sou presidente, e as coisas continuam por lá com normalidade e eu acho que isso é que é importante. Inclusivamente este grupo faz falta à comunidade. Acabaram-se os ranchos folclóricos, as bandas filarmónicas passam por imensas dificuldades para ter músicos, outros grupos de teatro que existiam no cadaval deixaram de existir e é bom que pelo menos o Grupo gente Gira possa continuar a existir. Nós vamos fazer brevemente 25 anos, e é uma meta que não é o fim mas é uma meta que queremos festejar.
Já percebemos que és um homem de paixões. O ensino, a política e o teatro. O que é que te apaixona mais?
Apaixona-me viver. Viver é bom. O convívio com as pessoas, até nós estarmos aqui nesta entrevista me dá imenso prazer. Poder falar com outras pessoas, aprender com outras pessoas, partilhar o que eu sei, tudo isso me apaixona. Gosto muito de ouvir também. Acho que é muito importante ouvir as pessoas. Nós só conseguimos aprender e evoluir se ouvirmos as pessoas. Dou este exemplo: às vezes eu gosto de ir ver espectáculos maus porque aprende-se muito. Mesmo com quem não sabe, aprende-se porque quanto mais não seja tiramos exemplos daquilo que não de deve fazer: “realmente eles estão a fazer isto e o teatro assim é uma chatice e o teatro não pode ser chato, tem que despertar a atenção, não podemos sentir que a cadeira é má, temos que estar dentro da peça, confortáveis…” e essa aprendizagem é muito enriquecedora.
E enquanto professor, notas que os jovens se deixam fascinar mais pelo teatro ou pela política? Quando abordas os temas sentes que eles se deixam cativar mais para que área?
Teatro. Até porque eu próprio também me sinto mais à vontade para falar de teatro que de política. Eles gostam de ouvir sobre teatro e sempre que surge alguma actividade que lhes permite fazer teatro eles entusiasmam-se e revêm-se muito nisso. A Politica ainda provoca neles algum alienamento, não se sentem tão motivados. Mas isso é um problema que também temos que resolver mais cedo ou mais tarde. É preciso fomentar essa participação cívica na política. A população em geral, não só os jovens, está muito separada da política e é preciso reverter isso porque até o próprio ato de votar que acontece espaçadamente e ocupa 15 ou 20 minutos naquele dia, as pessoas preferem desperdiçar e isso é preocupante.
O que é que tu gostavas de fazer que ainda não fizeste?
-Eu acho que tenho feito tudo aquilo que gosto de fazer. Nesse sentido sou uma pessoa felizarda. Obviamente que gostava de fazer espectáculos com outra dimensão, outra envergadura, mas tenho feito tudo o que me dá gosto, sinceramente. Sou uma pessoa muito felizarda nesse sentido.
O Cadaval inspira-te?
Sim. Eu gosto muito da vila do Cadaval e das aldeias em volta, não imagino a minha vida sem estar ligado ao Cadaval. E nesse sentido que eu tenho feito parte de alguma associações, coletividades. É também nesse sentido que tenho estado na assembleia municipal a procurar melhorar este concelho mas acho que todo este espaço rural que temos é muito inspirador.
O que que melhorarias se pudesses melhorar alguma coisa no Cadaval?
Eu acho que neste momento o cadaval precisa de empregos para as pessoas que cá estão. É uma das questões prioritárias, ajudar a fixar os jovens. Sobretudo os jovens licenciados. Neste momento, parte dos jovens licenciados sai para estudar e já não volta porque não há aqui nada para eles. Isto é uma das questões fundamentais e quando nós pensamos que o maior empregador do concelho é a cooperativa da fruta que funciona sazonalmente sabemos que isto não chega. As pessoas não podem trabalhar apenas 6 meses por ano, isso não lhes dá sustento para o ano inteiro. E portanto, no âmbito até da candidatura da CDU à câmara, o objectivo é ajudar a perceber que é preciso fixar aqui as pessoas e para isso é preciso afirmar o Cadaval para criar empregos. Nós somos neste momento, a segunda opção para muita gente. Segundas habitações, casas de fim- de-semana, mas não é isso que chega para o cadaval dar o salto.
E a nível nacional? Se te dissessem hoje que tens total liberdade para fazeres as mudanças que desejas para o país, que mudanças fazias?
Uma, sem dúvida nenhuma, seria dar mais poder de compra às pessoas. Eu acho que esta questão é da mais elementar justiça. O país não se vai desenvolver enquanto houver quem ganhe o salário mínimo nacional que é tão miserável. Isso cria uma bola de neve: a senhora da mercearia não consegue vender, porque os clientes não têm dinheiro, a costureira deixa de ter trabalho porque não há dinheiro para mandar fazer o vestido…, e portanto há aqui um ciclo económico que permitiria uma série de atividades. Depois, centrava o investimento na educação e na saúde. Muitas vezes as pessoas queixam-se e bem, do serviço nacional de saúde e da educação. Nós temos, nos últimos 40 anos avanços a registar nestas áreas, mas ainda há tanto a fazer que não se percebe como é que quando o banco vai ao fundo há dinheiro para ajudar o banco e não há dinheiro para colocar mais um médico aqui no centro de saúde do cadaval, por exemplo, que sai muito mais barato e é um investimento muito mais produtivo. Essas duas questões, penso que são decisivas. Depois, tinha que puxar a brasa à sardinha da cultura, porque nada é dado à cultura neste país. É miserável o que se investe. E é miserável porque a cultura não é só o que ela dá naquele momento em que decorre a peça em cima do palco, por exemplo, mas porque também valoriza o próprio país. Nós analisamos a nossa cultura, as nossas tradições, os ranchos folclóricos, bandas filarmónicas, os espaços culturais que temos e isso tudo é a nossa identidade. Nós sabemos que de hoje para amanhã vamos precisar de defender o nosso país, a nossa soberania, a nossa cultura, mas se as pessoas perderem estas ligações à origem, às suas raízes, se as pessoas ligarem tanto a comer um McDonalds como um cozido à portuguesa, amanhã, se for preciso defender Portugal, quem é que vai defender? É igual, não vêm diferença. Ou nós valorizamos aquilo que é nosso e a nossa identidade, ou então, dentro de algum tempo isso não existe.
Consideras-te um nacionalista?
Não me considero um nacionalista no sentido pejorativo da expressão, mas acho que devemos defender aquilo que é nosso porque se não o fizermos ninguém o vai fazer. Até na escola eu falo muito nisto. Há obviamente um processo de globalização e de maior circulação de pessoas e bens e isso é normal e inevitável. Ninguém vai conseguir impedir a globalização, mas eu também lhes ensino que há uma coisa que é a “Glocalização”, e isto é a valorização daquilo que é local e isso só nós é que podemos fazer. Só nós é que temos os tapetes de arraiolos, só nós é que temos o azulejo português, temos um folclore muito próprio e distinto de todos os outros, temos o fado…e nós temos que puxar por tudo isso. Abrirmo-nos a outras culturas é muito positivo mas temos que afirmar aquilo que é nosso. Por exemplo, nós somos o único país do mundo que tem o Teatro de Revista, e mesmo assim, não há uma companhia nacional, não há nada. Há a carolice das pessoas que vão fazendo, mas de resto não. Da mesma maneira que o fado foi levado a Património Imaterial da Humanidade, também fazia sentido que o teatro de revista fosse. E ainda relativamente a esta questão, se olharmos para a nossa região, temos Peniche que se especializou nas ondas e as tornou numa atração importante, a Lourinhã nos dinossauros, e nós, Cadaval, também temos que encontrar aqui alguma coisa que nos distinga, senão, somos engolidos. Ou nós afirmamos o potencial turístico da serra do Montejunto, ou nos focamos na pera rocha…se não afirmarmos nada e quisermos afirmar tudo, vamos ficar sem nada.
Na tua opinião a Serra do Montejunto está a ser mal aproveitada enquanto potencial turístico?
Sim. Eu vou todos os anos com os meus alunos à serra e a maior parte deles nem faz ideia que temos este espaço natural com tanto potencial. As pessoas ficam deslumbradas e perplexas.
Para além de tudo o que já disseste, o que mais te faz feliz?
Achar que em algum momento eu posso ajudar as pessoas. Saber que com a minha intervenção eu ajudei a melhorar a vida de alguém. Isso faz-me feliz.
Qualidade- Convicto
Defeito- Teimoso
Prato favorito- Cozido à Portuguesa
Música- Sobretudo portuguesa
Local favorito- Palco
Local de férias- Praia
Melhor momento- Nascimento do meu irmão mais novo.
Pior momento- Não tive
Sonho- Tornar sempre a vida de quem me rodeia mais feliz.
Fotografia: Margarida Silva
Texto/ Entrevista: Ana Cristina Pinto
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
Defeito- Teimoso
Prato favorito- Cozido à Portuguesa
Música- Sobretudo portuguesa
Local favorito- Palco
Local de férias- Praia
Melhor momento- Nascimento do meu irmão mais novo.
Pior momento- Não tive
Sonho- Tornar sempre a vida de quem me rodeia mais feliz.
Fotografia: Margarida Silva
Texto/ Entrevista: Ana Cristina Pinto
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
Artigo publicado no Jornal Região Oeste
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