Foto de Perfil- Pedro Lauret - Um dos militares de Abril

“Na véspera disse à minha mulher: «É hoje!» (...) Passei-lhe uma lista com os nomes dos advogados que ela deveria contactar no caso de eu ser preso” 





Escolheu a aldeia de Barreiras no concelho do Cadaval há duas dezenas de anos. Antes disso, foi um dos militares de Abril, marcou e foi marcado pela Revolução dos Cravos, tanto que acabou por tornar-se membro fundador da Associação 25 de Abril. 

Pedro Manuel Cunha Lauret de Saldanha e Albuquerque nasceu em Lisboa em janeiro de 1949 e fez os estudos secundários no Liceu Camões, onde foi dirigente da Ação Católica e participou nas movimentações estudantis. Frequentou a Escola Naval, e concluiu o curso de Marinha. Em outubro de 1973, efetuou com outros oficiais, a ligação ao Movimento dos Capitães e fez parte da comissão que redigiu o Programa do Movimento das Forças Armadas. Após o 25 de Abril, integrou a Comissão Coordenadora do MFA Armada e a Assembleia do MFA Nacional. Em 1981, terminou uma pós graduação em Estratégia e Organização no Instituto Superior Naval de Guerra. Depois de passar à reforma, em 1986, com o posto de capitão-de-mar-e-guerra, iniciou atividade empresarial no âmbito da engenharia e consultoria informática. Foi membro fundador da Associação 25 de Abril. Coordenou “Os Anos de Abril”, coleção de oito volumes editada em 2014 e publicou em 2015 vários livros no âmbito da investigação histórica, “Marinha: do fim da Segunda Guerra Mundial ao 25 de Abril de 1974”. É Grande Oficial da Ordem da Liberdade. Foi na sua casa de campo, nas Barreiras- -Cadaval, agora residência permanente, que Pedro Lauret me recebeu  e relatou o 25 de Abril enquanto «uma operação militar extraordinariamente bem planeada, programada e executada”.

A Escola Naval, onde ingressou marcou muito o seu percurso… 

Sim, eu acabei por ir parar à Escola Naval por um acaso. Era para ter ido para medicina, mas a minha vida levou-me a decidir pela Escola Naval, que apesar de ser uma escola militar, não tinha uma ação politica ou ideológica sobre os cadetes. Tive lá uma formação técnico-naval, como é óbvio, mas a formação era ministrada no sentido de formar homens o mais completos possível. Dedicava atenção às artes, à música, era dada aos futuros Oficiais da Marinha uma formação realmente completa. Não havia, por exemplo, uma ação ideológica em torno da guerra colonial. Começou então a haver um movimento dentro da Escola Naval já politizado e “eu encontro” Marx, Lenine e outros. Do segundo para o terceiro ano, em 1969, fizemos uma viagem de três meses, no Navio Escola Sagres, para o Brasil. Apesar de haver lá uma ditadura, tivemos acesso a vários autores que em Portugal não se vendiam como o Jorge Amado, por exemplo, e nós devorámos esses livros todos na viagem de regresso. Em 1969 dão-se as eleições cá em Portugal e na Escola Naval houve uma campanha grande, entre os cadetes, de apoio ao movimento de oposição. E isso fez com que um grande número de indivíduos se politizasse. 

É aqui que acontece a sua ida para a Guiné? 

Sim. Em 1971 fui para a Guiné, depois de ter casado. Foi uma época difícil, porque entre 71 e 73 já havia uma grande convulsão na Guiné. Quando fui, já tinha uma noção clara de que era uma guerra injusta e que não íamos ganhar. E quando regresso não tenho dúvidas disso. Regressei em julho de 1973, exatamente na altura das primeiras reuniões dos capitães. É preciso dizer que quando estava ainda na Escola Naval, criou-se entre os Oficiais da Marinha uma ação política clandestina de oposição ao regime, da qual eu fiz parte. Quando regressei da Guiné reintegrei esse grupo, eu e outros colegas acabámos por ser nomeados para fazer a ligação ao movimento dos capitães. 



A Marinha estava então bastante politizada? 

Sim, bastante mais que o exército. A nossa preocupação foi que o movimento se politizasse. Acabei por fazer parte da comissão que redigiu o programa do MFA.

Porque é que se deu realmente o 25 de Abril? 

Porque tivemos um regime autoritário demasiado longo (48 anos), com movimentos opressionistas de vária ordem, e muitos contestatários que nunca conseguiram abalar o regime. De qualquer maneira, penso que a Revolução de Abril nunca teria acontecido se não fosse a Guerra Colonial. Essa também demasiado longa, (13 anos). É evidente que a Revolução teve várias causas, mas a principal delas deveu-se às remunerações e progresso na carreira dos militares, aliada ao facto de sentirmos que se estava a perder a guerra. Arranjámos até um slogan que dizia que “A solução para a guerra em África é política e não militar”. Os militares estavam a aguentar aquela guerra para que o poder político encontrasse uma solução. 

E a descolonização foi a solução? 

A descolonização foi a solução possível. Há três ciclos de descolonização, o 1.º no Oriente, depois nas Américas e depois da 2.º Guerra Mundial, as potências vencedoras, EUA e na altura a União Soviética decidem que a Europa já não tem condições para manter impérios coloniais. Na Carta das Nações Unidas vem lá explícito que esses territórios colonizados tinham o direito à sua autodeterminação. Portanto, a partir de 1945, passa a haver uma cláusula que diz que os povos sem administração própria têm o direito de passarem a tê-la. 


Relativamente ao 25 de Abril, no nosso país, e as suas consequências diretas, acredita ainda hoje que ficámos de facto a ganhar com a revolução? 

Não tenho qualquer dúvida. O país do meu tempo não tem nada a ver com o país de hoje. Houve um avanço em tudo. Nas reformas que não tínhamos. Não havia rede hospitalar. No ensino, 30% da população era analfabeta. 

Mas também é sabido que foi durante o regime que se aumentou a escolarização. Salazar chega ao poder com 80% de analfabetismo e deixa-o com cerca de 30%. Aliás, isso é visível no grande número de escolas que foram construídas por todo o país, incluindo nas aldeias… 

Sim, com o fim da 2.ª Guerra Mundial o Salazar percebeu que tinha que haver mudanças e tentou criar um ensino primário com alguma qualidade e as guerras coloniais também fizeram com que muitos soldados aprendessem a ler e a escrever.  Criou os ensinos técnicos para a profissionalização e os liceus para empurrar para as universidades. Na época quem conseguisse chegar ao ensino superior tinha emprego garantido para o resto da vida. Mas o atraso era notório. Não tínhamos por exemplo uma rede eléctrica... 

Como em muitos outros países da Europa. Contextualizando à luz da história, Portugal não era assim tão diferente dos restantes países europeus da época… Espanha e Itália estavam sob verdadeiras ditaduras e não apenas regimes autoritários...

Não, mas não se podem comparar as indústrias francesa, inglesa ou alemã com Portugal. São países que tiveram uma coisa que nós nunca tivemos que foi a Revolução Industrial. 

E mesmo assim, durante o Estado Novo tivemos o maior PIB de sempre, que nunca mais conseguimos bater. 7%, hoje o PIB da Suécia, por exemplo… 

Não é um valor absoluto. Tivemos durante algum tempo um superávit. Não tivemos deficit orçamental. Isso aconteceu no período da guerra em que as importações foram muito pequenas e exportávamos o volfrâmio. Agora, o desenvolvimento económico do país era escasso. Tínhamos contas públicas razoáveis com muita pobreza.

Tendo em conta o desastre que foi a 1ª República, seria de esperar outra coisa que não um povo pobre que contribua fortemente para o fortalecimento das contas públicas?

Não me parece. Seja como for, acho que todos concordamos que o Salazar fez pelas finanças em Portugal o que a dada altura era preciso fazer.

Alguma vez considerou que, Portugal, crescendo ao ritmo que crescia na época, pudesse hoje ser um dos países mais ricos da Europa, se a Revolução de Abril não tivesse acontecido?

O 25 de Abril veio também melhorar o nível de vida dos portugueses. Admito que têm sido cometidos muitos erros, sim. Não me parece que a Revolução de Abril tenha sido um desses erros, mas não estamos como era suposto, o que é uma pena. Parece que desperdiçámos aqui qualquer coisa.

E qual foi a sua participação direta na revolução dos cravos? O que é que sentiu quando se deu a revolução? 

Os dois dias que antecederam o 25 de Abril foram muito intensos. Acabámos o programa do MFA. Agarrámos imediatamente a PIDE, porque receávamos que houvesse reféns entre os presos políticos. Na véspera, disse à minha mulher: “É hoje.”. Passei-lhe vários documentos para ela guardar e esconder, passei-lhe uma lista com os nomes dos advogados que ela deveria contactar no caso de eu ser preso. A grande emoção vem quando ouço o “E Depois do Adeus” e depois, sobretudo o “Grândola Vila Morena”. Senti então um impacto grande e fui para a Base Naval de Lisboa. Às quatro e meia da manhã, já no navio, ouço o primeiro comunicado do MFA. Foi um momento de grande tensão, mas também foi fantástico.




Melhor qualidade -Solidário.
Pior defeito – Teimoso.
Livro favorito – “O Estrangeiro” de Albert Camus.
Género musical preferido – Música Popular Portuguesa. 
Prato favorito – Bacalhau à Brás.
Arrependimento – Não tenho. Olho para trás, e acho que fiz as coisas bem feitas.















Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Margarida Silva
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
Artigo publicado no Jornal Região Oeste

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