Linha do Oeste- Um serviço que serve muito pouco

A partir da estação do Bombarral sai um comboio às 11.40h. Foi nesse comboio que a equipa do JRO seguiu para viajar até Lisboa.  Às 13.00h, uma paragem na estação de Meleças/Cacém, e aí a mudança obrigatória para o comboio que segue até ao Rossio. 

Para uma pessoa, o bilhete com ida e volta (Bombarral- Lisboa) custa 17,20 €.

O nosso primeiro apontamento faz-se ainda no Bombarral: Às 11.37 o comboio inicia a marcha e quem, eventualmente, se preparava para o apanhar à hora exata, fica apeado. A composição segue então numa viagem tortuosa, cheia de solavancos. Os vidros estão grafitados e não é possível contemplar a paisagem. Com o que podemos passar o tempo? Internet. É suposto encontrar uma rede wireless num comboio. Afinal, até os autocarros, expressos e rápidas a têm. Puro engano nosso. Neste comboio, não há Internet. Quando se viaja acompanhado, este constrangimento de duas longas horas sem nada que fazer, nem um livro para ler, pode ser facilmente ultrapassado. Afinal, havendo companhia, conversa-se. Mas e quando se viaja sozinho? Não nos resta outra coisa que não ficar a olhar para as paredes da composição.


Apesar de tudo, tivemos alguma sorte. Este comboio tem WC. Muitos não têm. É exatamente isso o que nos dizem alguns dos passageiros habituais, que precisam de usar este meio de transporte. Alguns, para chegar a Torres Vedras. Catarina Rosário é uma delas. Diz que muitas vezes, o comboio das 17 horas não aparece, e quando aparece chega com quase 40 minutos de atraso. Quando a demora é superior aos 40 minutos, a maioria dos passageiros já sabe que o comboio não virá, para não colocar em risco a normal circulação na linha. "Contar com o comboio para chegar ao trabalho é impensável". – Conta-nos Catarina Rosário. Esta utente apanha o comboio no Ramalhal para Torres Vedras onde trabalha num lar de idosos. “Já tive dias de pedir para ficar lá a dormir para o dia seguinte, porque o comboio não apareceu”. Conta-nos, acrescentando ainda que: "Reclamações por escrito, já são às dezenas. Mas nada melhora.” 
Tentamos chegar à fala com revisores e maquinista, que se negam prontamente a prestar qualquer declaração.


Percorremos uma extensão de poucos mais de 70 Km em cerca de 1 hora e meia, parando em todas as estações e apeadeiros. Ao todo, 17 paragens. Chegamos finalmente a Meleças às 13.00. E também aqui fazemos outro apontamento: Para viajar de comboio até à capital é preciso mudar nesta estação e esperar mais meia hora pelo comboio que nos levará ao Rossio. Finalmente, chegámos ao destino. Duas horas e meia depois de sairmos do Bombarral. 

A Linha do Oeste foi inaugurada a 2 de abril de 1887 (troço Alcântara—Cacém). Ainda no mesmo ano foram abertos os troços até Torres Vedras, Caldas da Rainha e Leiria. Em 17 de Julho de 1888 foi concluída a Linha do Oeste, após o término das obras no troço Leiria— Figueira da Foz. A 8 de Julho de 1889 foi concluído o ramal que ligaria a Linha do Oeste à Linha do Norte. Atualmente, e por despacho em Diário da República, a Linha do Oeste começa no Cacém e termina na Figueira da Foz, numa extensão total de 198 km. Passaram 128 anos, mas o traçado e as características da linha mantêm-se mais ou menos inalterados, sem investimentos significativos. Por falta de investimento público, a Linha do Oeste está longe de ter os tráfegos que outrora possuiu, tanto ao nível do transporte de passageiros como de mercadorias. E longe, muito longe, de ser um meio de transporte alternativo e fiável. 

Convém recordar que a 12 de fevereiro de 2016 o atual governo apresentou a calendarização do Plano de Investimentos Ferroviários, que previa um investimento de 106,8 milhões de euros na modernização da Linha do Oeste, mas apenas nos 84 quilómetros que ligam Meleças a Caldas da Rainha.

Além da eletrificação a 25.000V, o plano de modernização prevê ainda a instalação dos mais modernos sistemas de sinalização automática e de telecomunicações, reforçando ao mesmo tempo a capacidade da linha e a sua segurança. Também incluída neste plano está a adaptação da linha para comboios com 750 metros e a criação de novos desvios ativos, nomeadamente junto à estação de São Mamede, onde não se prevê uma duplicação da via. Todavia, dois anos passados e nada aconteceu. 

Em março de 2018, a linha do oeste voltou a ser lembrada. O Estudo de Impacte Ambiental do projeto de modernização da linha, revelado recentemente, foi motivo para um debate em Torres Vedras, com o público e autarcas, demonstrando as suas preocupações com a preservação do património rodoviário e passagens de nível. O debate foi organizado pelo executivo camarário, e o projeto foi apresentado pelo presidente da câmara municipal, Carlos Bernardes e pelo vereador Hugo Lucas. Estranhamente, da parte da Infra-Estruturas de Portugal não esteve presente nenhum representante nesse debate. 


Alguns dos receios demonstrados prendem-se com a possibilidade das obras de modernização e eletrificação previstas para a via-férrea, destruírem parte do património edificado. E os receios são, dizem, justificados com a insensibilidade da Refer (atual IP), quanto à colocação de postes e catenária, ou a construção de edifícios técnicos e o altear de plataformas. Foram apontados como exemplos, as velhas estações, cais de mercadorias, depósitos de água e pequenos edifícios de apoio, que são por vezes destruídos, ou descaracterizados. 

No caso da linha do oeste, por ser uma das últimas a sofrer obras de modernização, ainda é possível encontrar nas suas estações características quase seculares e Carlos Bernardes defende que no seu conjunto, estas estações constituem uma rota com elevado valor histórico e patrimonial. O autarca afiançou que devido a esse valor patrimonial, se vai manter atento ao projeto. 

O documento em estudo diz que o tempo de percurso em comboio entre Torres e Lisboa deverá reduzir-se dos atuais 100 minutos para 50 minutos. Mas o documento compara o incomparável porque atualmente esse trajeto é feito com comboios que param em todas as estações e apeadeiros e no futuro prevê-se uma lei de paragens mais restrita. Por outro lado, em 1986 havia comboios que faziam esse viagem em apenas 68 minutos o que faz com que a redução do tempo de percurso para 50 minutos saiba a pouco. 

A linha do Oeste que tem um projeto de modernização, no valor de 107 milhões de euros, não tem muito por onde escolher. Ou continua a agonizar, moribunda até ao golpe fatal e definitivo que a fará morrer ou moderniza-se. Como está, é que não pode continuar.


Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Ana Cristina Pinto
Artigo publicado no Jornal Região Oeste
www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste

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