Foto de Perfil: Valentim Carvalho Matias
“Procuro olhar para as coisas para além da superfície.
É a partir da profundidade que formo as minhas opiniões.”
A 25 de Outubro de 1942, Valentim Carvalho Matias nascia em Vila Nova de S. Pedro, concelho da Azambuja. Em 1961, com 18 anos de idade, foi morar para o Cadaval e levou consigo o gosto pelo fado e pela poesia.
Trabalhou no comércio enquanto concluía os estudos, e envolveu-se tanto quanto lhe foi possível, na comunidade.
Cumpriu o serviço militar na Guiné e quando regressou, os soldados da paz puderam contar com ele.
Foi Comandante da Corporação dos Bombeiros Voluntários do Cadaval entre 1972 e 1996.
A década de 80 trouxe-lhe a consolidação do seu amor pela música e começou a cantar até que a voz lhe doesse. Todavia, valores mais altos se levantaram, e ainda em 89, dava tudo de si a outras cantigas.
A política impôs-lhe dedicação absoluta nos anos que se seguiram e foi Presidente da Câmara Municipal do Cadaval de 1990 até 2001.
Três mandatos volvidos, uma vida preenchida pela família que ama como se não houvesse amanhã e uma voz que confessa, ainda não lhe dói. O futuro continua a ser um “fado” que desconhece, mas garante que enquanto houver Valentim Carvalho Matias, continuará a haver música.
Quando é que lhe nasceu o gosto pelo fado?
Desde miúdo que gostava de cantar, mas cantar acompanhado com guitarras e viola, comecei por volta no final dos anos 70. Nesse tempo, vinham ao Cadaval, o José Oliveira Pedro e o Eduardo Lemos, um residente e outro que vinha aos fins-de-semana, eram amigos que já tocavam e começaram a acompanhar-me. Formámos um grupo de fado e praticamente todos os fins-de-semana, sextas e sábados fazíamos espectáculos, sobretudo no Ribatejo. Logo nessa altura, comecei também a escrever poemas que eram depois musicados com as composições do Eduardo Lemos. Numa dessas actuações, encontro o Rodrigo e em conversa, disse-lhe que tínhamos alguns fados inéditos, compostos por mim e pelo Lemos, e que gostaria que ele os cantasse. Ele ouviu, gostou e gravou três dos cinco fados que lhe enviei no LP “Asas e Raízes”, considerado o melhor disco desse ano. Também escrevi para o António Pinto Basto e participei com letras minhas num dos trabalhos mais reconhecidos dele, um álbum dedicado às “Marias”. Um dos meus trabalhos incluído nesse disco era o fado “ Doce Maria da Paz”. Hoje canto menos do que cantava há uns anos atrás, por um lado porque hoje há muitos fadistas e por outro, as pessoas também têm alguma tendência a achar que a partir de uma certa idade já não se consegue cantar bem. Isso não é de todo verdade. Sinto que canto melhor hoje que antes, porque aprendi imenso, hoje tenho uma técnica vocal que antes não tinha, tenho mais consciência da minha presença em palco. A voz não se perdeu.
Sendo poeta também, o que é que o inspira a escrever?
Tantas coisas. No fado, canta-se muito o amor, a saudade, a tristeza, às vezes uma crítica. Inspiro-me em tudo isto. Podia escrever muito mais, mas só quando tenho mesmo necessidade é que vou escrever. Quando alguém me diz que precisa de uma letra eu vou e escrevo-a. Estou convencido que quando deixar de cantar vou escrever mais.
Considera-se um homem introspectivo?
Sim, muito. Procuro olhar para as coisas para além da superfície. É a partir da profundidade que formo as minhas opiniões.
E entretanto, chega à política. A responsabilidade de liderar uma autarquia, quando foi presidente da Câmara Municipal do Cadaval separou-o da música?
Sim, durante esse tempo praticamente não cantei. Às vezes numa ou outra festa aqui no concelho, se me pediam para cantar, eu cantava. Mesmo assim, ainda gravei um CD nessa altura, mas quando o gravei não foi com intenção de o divulgar depois. Eu ia algumas vezes aos Estados Unidos da América, a convite dos nossos emigrantes, fazíamos lá todos os anos um jantar de angariação de fundos para os bombeiros e queriam sempre que eu cantasse. Muitas vezes eu queria cantar as minhas músicas, mas os guitarristas que eles lá tinham não as conheciam. Então eu gravei esse CD mais com a intenção de ficar com o playback instrumental de forma a poder cantar essas músicas lá. Todos os temas nesse CD são da minha autoria.
Mas esse afastamento deu-se porque não tinha tempo ou achava que as duas atividades eram inconciliáveis?
Não eram conciliáveis. Eu não podia ocupar-me com música quando sentia que devia dedicar-me a 100% à autarquia. Tinha muitas reuniões e outras responsabilidades que exigiam muito de mim. O tempo de um autarca é sempre muito ocupado.
E de alguma forma sentiu que essa sua veia de fadista poderia roubar-lhe a credibilidade enquanto presidente de um município?
Eu não pensei, mas havia quem pensasse. Algumas pessoas achavam que não era próprio de um presidente, cantar. Se for um médico pode cantar, um engenheiro pode cantar. Mas um presidente de uma câmara não pode cantar. Claro que eu nunca liguei a isso. Essas opiniões vinham de uma minoria que não tinha qualquer expressão.
O que é que mais destaca na sua atuação enquanto Presidente da Câmara?
Há tanta coisa a destacar. Por exemplo, naquele tempo era preciso levar rede elétrica a alguns locais onde as pessoas ainda usavam candeeiros a petróleo ou na melhor das hipóteses, um gerador para levar a electricidade às habitações. Fui presidente numa altura em que fazer o básico era tão importante como hoje fazer uma grande obra. Não tínhamos ainda uma boa rede de esgotos, por exemplo, rede de abastecimento de água, a ligação entre as povoações era feita, na sua maioria, em terra batida, o alcatrão existia em meia dúzia de povoações e apenas nas ruas principais. Nesse tempo havia tanta coisa importante para fazer que não nos podíamos preocupar com o embelezamento das terras. Hoje já se pode fazer isso. Naquele tempo, não.
Mudaria alguma coisa se hoje voltasse a ser Presidente da Câmara?
Não. Faria tudo na mesma. Trabalharia como trabalhei a tempo inteiro. Voltaria a ser a pessoa dedicada que fui. Poderia contar com algumas vantagens que não tive na altura. Eu não tinha gabinetes de adjuntos, chefes de gabinete, secretárias, e tudo o mais que hoje rodeia os presidentes de câmara. Fiz tudo praticamente sozinho, confiando sempre nos funcionários que tinha sem o staff politico que hoje existe.
E a política ainda o fascina?
Não. Estou de certo modo decepcionado com a política. Os últimos tempos têm sido conturbados e deixam pouco espaço para fascínios. Continuo a interessar-me e a acompanhar tudo, leio muita coisa, mas hoje olho para a política de uma maneira diferente. Talvez pela idade, sei identificar uma notícia falsa, um estudo encomendado…há coisas na política que me desgostaram.
Isso quer dizer que se hoje surgisse um convite para se voltar a candidatar não aceitaria…
Não. Já surgiram tantas coisas, tantos convites…a minha vida foi sempre muito ativa. Juntei muitos projetos em simultâneo e a minha família foi sempre prejudicada por isso. Muitas vezes não tinha fins-de-semana, não tinha serões, não podia acompanhar a família como eu gostaria. Tive a sorte de casar com uma mulher valiosa para me ajudar a resolver muitas situações. Quando fiz 70 anos, disse para comigo: “Acabaram-se todas as minhas participações em atividades que me tirem tempo para o que eu amo”. Assim fiz e neste momento estou empenhado em passar tempo com a família e com a música. Agora é para elas que eu vivo. Normalmente, faço espectáculos solidários. Estou a colaborar com uma campanha de angariação de fundos para a Guiné Bissau, para a construção de uma biblioteca que terá o nome de uma escritora cadavalense, Isabel Pereira da Rosa. E por isso, durante 1 ano, tudo o que eu puder arranjar com a venda dos meus trabalhos discográficos, está destinado a esse projecto. Para além disso, integro também um grupo, os D’Antano, e vamos gratuitamente a lares de 3ª idade, especialmente aos fins de semana, onde tocamos e cantamos fados mais musicados e músicas dos anos 60/70.
O que é que o faz feliz?
Faz-me feliz ver os meus filhos e netos felizes. Tenho uma família linda! Tenho dois filhos, dois netos e duas netas. Sei que vivem felizes, que estão bem e isso é maior felicidade que eu posso ter. Devo dizer que uma das cantigas que eu escrevi, um fado-canção muito simples, “ Os netos chamam por nós”. E isto é algo que me faz extremamente feliz: Ouvir os netos a chamar mim.
Qualidade- Sinceridade
Pior Defeito- Temperamental
Comida Preferida- Cozido à Portuguesa
Música Favorita- Fado
Local Favorito- O meu escritório e o palco
Melhor Momento- O nascimento do primeiro filho
Pior Momento- 25 meses de guerra na Guiné
Sonho- Gravar agora o tal disco como deve ser
Quando é que lhe nasceu o gosto pelo fado?
Desde miúdo que gostava de cantar, mas cantar acompanhado com guitarras e viola, comecei por volta no final dos anos 70. Nesse tempo, vinham ao Cadaval, o José Oliveira Pedro e o Eduardo Lemos, um residente e outro que vinha aos fins-de-semana, eram amigos que já tocavam e começaram a acompanhar-me. Formámos um grupo de fado e praticamente todos os fins-de-semana, sextas e sábados fazíamos espectáculos, sobretudo no Ribatejo. Logo nessa altura, comecei também a escrever poemas que eram depois musicados com as composições do Eduardo Lemos. Numa dessas actuações, encontro o Rodrigo e em conversa, disse-lhe que tínhamos alguns fados inéditos, compostos por mim e pelo Lemos, e que gostaria que ele os cantasse. Ele ouviu, gostou e gravou três dos cinco fados que lhe enviei no LP “Asas e Raízes”, considerado o melhor disco desse ano. Também escrevi para o António Pinto Basto e participei com letras minhas num dos trabalhos mais reconhecidos dele, um álbum dedicado às “Marias”. Um dos meus trabalhos incluído nesse disco era o fado “ Doce Maria da Paz”. Hoje canto menos do que cantava há uns anos atrás, por um lado porque hoje há muitos fadistas e por outro, as pessoas também têm alguma tendência a achar que a partir de uma certa idade já não se consegue cantar bem. Isso não é de todo verdade. Sinto que canto melhor hoje que antes, porque aprendi imenso, hoje tenho uma técnica vocal que antes não tinha, tenho mais consciência da minha presença em palco. A voz não se perdeu.
Sendo poeta também, o que é que o inspira a escrever?
Tantas coisas. No fado, canta-se muito o amor, a saudade, a tristeza, às vezes uma crítica. Inspiro-me em tudo isto. Podia escrever muito mais, mas só quando tenho mesmo necessidade é que vou escrever. Quando alguém me diz que precisa de uma letra eu vou e escrevo-a. Estou convencido que quando deixar de cantar vou escrever mais.
Considera-se um homem introspectivo?
Sim, muito. Procuro olhar para as coisas para além da superfície. É a partir da profundidade que formo as minhas opiniões.
E entretanto, chega à política. A responsabilidade de liderar uma autarquia, quando foi presidente da Câmara Municipal do Cadaval separou-o da música?
Sim, durante esse tempo praticamente não cantei. Às vezes numa ou outra festa aqui no concelho, se me pediam para cantar, eu cantava. Mesmo assim, ainda gravei um CD nessa altura, mas quando o gravei não foi com intenção de o divulgar depois. Eu ia algumas vezes aos Estados Unidos da América, a convite dos nossos emigrantes, fazíamos lá todos os anos um jantar de angariação de fundos para os bombeiros e queriam sempre que eu cantasse. Muitas vezes eu queria cantar as minhas músicas, mas os guitarristas que eles lá tinham não as conheciam. Então eu gravei esse CD mais com a intenção de ficar com o playback instrumental de forma a poder cantar essas músicas lá. Todos os temas nesse CD são da minha autoria.
Mas esse afastamento deu-se porque não tinha tempo ou achava que as duas atividades eram inconciliáveis?
Não eram conciliáveis. Eu não podia ocupar-me com música quando sentia que devia dedicar-me a 100% à autarquia. Tinha muitas reuniões e outras responsabilidades que exigiam muito de mim. O tempo de um autarca é sempre muito ocupado.
E de alguma forma sentiu que essa sua veia de fadista poderia roubar-lhe a credibilidade enquanto presidente de um município?
Eu não pensei, mas havia quem pensasse. Algumas pessoas achavam que não era próprio de um presidente, cantar. Se for um médico pode cantar, um engenheiro pode cantar. Mas um presidente de uma câmara não pode cantar. Claro que eu nunca liguei a isso. Essas opiniões vinham de uma minoria que não tinha qualquer expressão.
O que é que mais destaca na sua atuação enquanto Presidente da Câmara?
Há tanta coisa a destacar. Por exemplo, naquele tempo era preciso levar rede elétrica a alguns locais onde as pessoas ainda usavam candeeiros a petróleo ou na melhor das hipóteses, um gerador para levar a electricidade às habitações. Fui presidente numa altura em que fazer o básico era tão importante como hoje fazer uma grande obra. Não tínhamos ainda uma boa rede de esgotos, por exemplo, rede de abastecimento de água, a ligação entre as povoações era feita, na sua maioria, em terra batida, o alcatrão existia em meia dúzia de povoações e apenas nas ruas principais. Nesse tempo havia tanta coisa importante para fazer que não nos podíamos preocupar com o embelezamento das terras. Hoje já se pode fazer isso. Naquele tempo, não.
Não. Estou de certo modo decepcionado com a política. Os últimos tempos têm sido conturbados e deixam pouco espaço para fascínios. Continuo a interessar-me e a acompanhar tudo, leio muita coisa, mas hoje olho para a política de uma maneira diferente. Talvez pela idade, sei identificar uma notícia falsa, um estudo encomendado…há coisas na política que me desgostaram.
Isso quer dizer que se hoje surgisse um convite para se voltar a candidatar não aceitaria…
Pior Defeito- Temperamental
Comida Preferida- Cozido à Portuguesa
Música Favorita- Fado
Local Favorito- O meu escritório e o palco
Melhor Momento- O nascimento do primeiro filho
Pior Momento- 25 meses de guerra na Guiné
Sonho- Gravar agora o tal disco como deve ser
Fotografia: Margarida Silva
Texto/Entrevista: Ana Cristina Pinto
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
Artigo publicado no Jornal Região Oeste
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Texto/Entrevista: Ana Cristina Pinto
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