Foto de Perfil: Mimi Pereira da Fonseca
“Não ficou nada por fazer. Realizei todos os meus sonhos.”
Mimi Pereira da Fonseca tem muitas histórias para contar. Umas estão ligadas à pintura, outras aos vinhos, mas a história principal está ligada à família. Uma família grande, de 4 filhos, vários netos e alguns bisnetos, que Mimi construiu ao longo de muitos e atribulados anos. Foi em Lisboa que Mimi olhou pela primeira vez o mundo, corria então o quarto dia de 1918, mas as suas raízes estão na Beira. Quis o destino que se tomasse de amores por Joaquim Pereira da Fonseca, filho do famoso Abel Pereira da Fonseca, o homem que precede a história e cravou nela o seu nome. Oriunda de uma família humilde, viaja para o Bombarral com 22 anos e por aqui ficou, criando raízes na Quinta do Sanguinhal que a par da Quinta das Cerejeiras e a Quinta de São Francisco fazem parte do património da família. Encontramo-la hoje com a experiência dos seus 99 anos, mas com o sorriso de uma menina de 20.
Como é que foi a vida para si, Mimi? Foi simpática consigo?
Foi muito simpática. Estive sempre rodeada de boas pessoas. Houve episódios menos felizes, mas guardo sobretudo os bons momentos. Tive sempre uma boa vida. Senti muita falta dos meus pais quando morreram, mas tudo se superou.
Nota diferenças entre as jovens de hoje e as do seu tempo?
Claro. Os tempos são outros e as pessoas são diferentes. A vida hoje encara-se de outra maneira. Mais descontraída, talvez.
E relativamente à evolução da mulher desde os seus tempos de jovem, o que acha?
Acho que as mulheres de hoje se expõem muito. As mulheres do meu tempo eram mais respeitadas porque também eram mais recatadas. Não se ofereciam aos homens como agora.
Ainda se lembra dos seus tempos de namoro?
Ah, sim! Oh, se lembro! Naquela época namorar era conversar. E sempre com os pais por perto. Na minha opinião as mulheres evoluíram num mau sentido.
Mas a Mimi também é uma mulher apaixonada, não é?
Sim, mas…recatada! (risos)
Quais foram os momentos mais marcantes da sua vida?
O meu casamento e o nascimento dos meus filhos. O melhor que fiz foram os meus filhos. Hoje tenho filhos de que me orgulho e acredito que em parte, a educação que eu lhes dei os tornou nas pessoas que são hoje. As filhas têm sido amorosas comigo. Eu não mereço tanta coisa. Claro que também tive momentos complicados. O meu marido, por exemplo, era um homem muito fechado em si mesmo. Não era de muitas conversas, mas no geral tive um casamento feliz. Adaptei-me. Não há nada como nos adaptarmos ao feitio das pessoas.
E a sua vida profissional como é que foi?
Não tive. Dediquei-me ao meu marido e aos meus filhos. A minha família foi sempre o meu foco. Na verdade, eu nunca precisei de ter uma vida profissional. Os tempos eram outros. Pude dedicar-me inteiramente à educação dos meus filhos e isso realizou-me.
Mas teve um hobby importante. Dedicou-se à pintura…
Sim. Comecei a pintar muito cedo. Comecei a pintar num colégio de religiosas em Sintra. Por influência da minha mãe que não gostava de me ver de braços cruzados e queria que eu tivesse uma ocupação. Comecei a ter aulas com a Eduarda Lapa que era na altura uma pintora de renome. Foi ela quem me ajudou muito e aprendi imenso.
E alguma vez desejou tornar-se reconhecida pela sua arte?
Não. De todo. Sempre quis ficar no meu canto. Entendi sempre a pintura como uma distração. Nunca pensei ir além disso. Não necessitava de ganhar dinheiro com os meus quadros. Deixei de pintar durante muitos anos. Mas depois retomei e segui a minha vida pintando. Só não pinto as paredes. (risos) Bom…por acaso até é mentira. Também já pintei paredes. Pintei a minha casa de banho de verde-mar com malmequeres por cima da porta. Ter um pincel grande ou pequeno não interessa. Interessa é pintar. Mas a arte não era coisa para me valorizar. Serviu para me enriquecer interiormente. E nesse sentido sinto-me uma mulher rica.
E porque é que prefere pintar paisagens?
As caras são mais difíceis de pintar. (risos) As paisagens são mais fáceis. Pinta-se uma árvore e já está!
Considera-se uma mulher forte ou de lágrima fácil?
Ai, as lágrimas! As lágrimas estão-me sempre a cair. Sou muito empática. Sempre fui. Tudo me emociona.
A arte, por exemplo, emociona-a?
Sim. Sou muito sensível à beleza. Tudo o que é bonito me encanta. A beleza desperta-me muitas emoções.
E a arte contemporânea, também a emociona? Tendo em conta que a Mimi vem de uma outra escola, o que pensa da arte que a maioria dos novos artistas plásticos cria?
Temos que nos habituar aos tempos. E para tempos vazios, esta é a arte possível. Mas é pouco apelativa aos sentimentos. Não ligo muito. Não aprecio.
A Mimi é nora do Abel Pereira da Fonseca, o homem a quem o próprio Fernando Pessoa fazia várias vezes referência, visto que apreciava beber o seu copo na Casa do Abel, em Lisboa. Foi fácil entrar para esta família?
Foi muito fácil. O meu sogro era uma pessoa que se dava bem com toda a gente. Era um homem muito simples. Quando vim para o Bombarral era muito nova, tinha 22 anos e não tinha mais ninguém. Nasci em Lisboa, mas a minha família é da Beira. Eram beirões muito simples. Daqueles beirões de quem gostamos logo à primeira vista. Eu não tinha carro nem carta de condução, de modo que só podia visitá-los quando ia com o meu marido. Como nem sempre era possível, acabei por me dar mais com a família que tinha aqui e isso obrigou a que a minha integração se fizesse muito rapidamente.
E quando entrou para esta família, já gostava de vinho ou aprendeu a gostar depois?
Eu sempre bebi um copo de vinho às refeições. Mas com o tempo aprendi a apreciar e também a perceber da sua produção.
Sente que realizou todos os seus sonhos ou acha que ficou alguma coisa por fazer?
Não. Não ficou nada por fazer. Realizei todos os meus sonhos. Nunca sonhei com coisas impossíveis.
E arrependimentos? Tem algum arrependimento? Se pudesse voltar atrás o que é que não faria?
Não penso nisso. Acho que temos que aceitar a vida como ela é. E as escolhas que fazemos, são as que achamos certas naquelas circunstâncias. Por isso, não me arrependo de nada. Estes 99 anos têm valido muito a pena.
A Mimi vive num pequeno paraíso, um sítio muito bonito cheio de história, cheio de luz e de flores. No entanto, uma das coisas que o tempo trouxe a este espaço, foi a abertura da sua casa às outras pessoas. Sente-se confortável com esta “invasão” do público, ou pelo contrário, sente que a sua privacidade está de certo modo a ser devassada?
Eu vivo a vida como ela é e como ela foi feita. Não me faz confusão nenhuma que se organizem aqui eventos e que se abram as portas às pessoas. Sinto-me sempre à vontade e até gosto que as pessoas venham.
Tem aqui o seu bisneto. O pequeno Joaquim. É muito diferente para si ter um bisneto, de ter um filho?
Sim, muito diferente. Com os netos e bisnetos, passa-se mais a mão por cima. (risos) É mais “ deixa lá, deixa lá”. Quando eram os filhos, às vezes tinha de haver umas palmadas.
Para o ano, se cá estiver, fará cem anos. O que é que seria uma boa prenda para si por ocasião do seu centésimo aniversário?
Ah, não penso em prendas. Isso é um disparate. Para mim, ter a família toda junta é o mais importante. Não precisamos de festas para estarmos juntos. Somos uma família muito unida.
Fotografia: Margarida Silva
Texto: Ana Cristina Pinto
Texto: Ana Cristina Pinto
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
(Artigo publicado no Jornal Região Oeste www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste )
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