A Saga da Pobreza

Porque é de dignidade que falamos





1 em cada 4 portugueses vive em privação material severa. O que não espanta ninguém pois o Instituto Nacional de Estatística (INE) divulga que existem em Portugal cerca de 2,6 milhões de indivíduos em risco de pobreza e/ou exclusão social. Números alarmantes, para um país que se diz do primeiro mundo, que faz parte da União Europeia desde 1986 e partilha a moeda única (Euro) desde 2002.


Para calcular o nível de privação material o INE considera nove itens relacionados com as "necessidades económicas e de bens duráveis" de uma família. Não ter acesso a três deles faz com que essas pessoas sejam classificadas como estando em privação material. Se não tiver acesso a quatro ou mais, essa privação material é considerada "severa".
Os dados divulgados em Dezembro de 2016 pelo INE mostram que no ano passado quase metade dos portugueses (47,2%) viviam em agregados familiares que não conseguiam pagar uma semana de férias fora de casa. O valor embora alto recuou face aos 51,3% de 2015. Todavia, 38,3% não tem capacidade para fazer face a uma despesa inesperada que ronde o valor da linha da pobreza (um pouco acima dos 400 euros); 22,5% está integrada num agregado familiar que não tem dinheiro para manter a casa aquecida; e 9,3% não tem capacidade para pagar a tempo a renda ou outras despesas correntes.
25,1% dos adultos trabalham menos de 20% do tempo, contando para isso a precaridade laboral e os longos períodos de desemprego. 60% vivem com menos de 439 euros por mês.
Podemos esperar até ao final deste ano, altura em que o INE fará novamente um levantamento dos casos de pobreza no país para sabermos se estes dados sofreram alterações, todavia, a realidade com que nos deparamos diariamente mostra que poucas ou nenhumas melhorias se produziram nos últimos 6 meses.
E nos concelhos do Bombarral e Cadaval, há famílias a sofrer de privação material grave? Há.


Guida Bruno, Sub-Diretora Centro Humanitário Litoral Oeste Norte (CHLON) 

“As famílias que mais recorrem à ajuda regular da Cruz Vermelha e outras instituições são os «profissionais da pedincha»

O núcleo do Bombarral da Cruz Vermelha Portuguesa - Centro Humanitário Litoral Oeste Norte (CHLON) que opera neste concelho desde 2014, ajuda com carácter regular 11 famílias, (um total de 34 indivíduos, incluindo crianças e idosos).
As ajudas mais frequentes abrangem a alimentação, vestuário e bens para a casa, como móveis e eletrodomésticos, mas o auxílio, por vezes a prolongar-se por vários meses, passa também pela ajuda monetária com rendas de casa e renegociações de empréstimos bancários.
“São os novos pobres.” Confidencia-nos Guida Bruno, sub-diretora do CHLON. “ São famílias que antes tinham estabilidade e conseguiam cumprir as suas obrigações, e que de um momento para o outro, devido ao desemprego, deixaram de conseguir.”

Com a Vida “de Pernas para o Ar”

Guida Bruno sublinha ainda que estes novos pobres, são alvo de alguma mesquinhez por parte das comunidades. “Não é raro estas pessoas serem apontadas depreciativamente e descriminadas com comentários do género: - Está mal mas tem uma boa casa – ou,- está mal mas anda bem vestido.- As pessoas esquecem-se que estas pessoas ficaram mal porque de repente a vida lhes ficou de pernas para o ar.”
Contudo, “as famílias que mais recorrem à ajuda regular da Cruz Vermelha e outras instituições são os “profissionais da pedincha”, como refere a responsável que caracteriza estas pessoas como acomodadas, sem vontade de produzir mudanças, “pessoas que querem o peixe mas não querem aprender a pescar. Estes indivíduos são os verdadeiros pobres, porque para além de pobres materialmente, são-no também de espírito”. 

No Bombarral para além da Cruz Vermelha Portuguesa existem também o Banco Alimentar contra a Fome (BAO) e os Vicentinos que, como Guida Bruno explica, auxiliam os mais carenciados em troca de evangelização.
A Cruz Vermelha faz campanha para doação de bens alimentares, apenas 2 vezes por ano. A recolha é feita nos hipermercados Continente. Todavia, qualquer pessoa pode dirigir-se ao núcleo mais próximo para doar bens alimentares não perecíveis, bem como qualquer outro bem que tenha a mais em casa.
Nutricionista e psicólogo são algumas das valências ao nível da saúde disponíveis para os mais carenciados. Os valores destas consultas são sempre mais baixos que fora do núcleo, mas há quem pague o valor simbólico de apenas 1 euro.

“Por norma, famílias com baixa escolaridade são mais susceptíveis de caírem numa situação de pobreza severa.” 

No Cadaval os números da pobreza não são muito diferentes. Segundo Inês Silva, Técnica do Serviço Social do núcleo da CV do Cadaval, esta instituição apoia directamente em colaboração com o Banco Alimentar, 60 famílias do concelho (40 na freguesia de Cadaval e Pêro Moniz e 20 nas freguesias de Paínho, Figueiros e Alguber). Cerca de 20 famílias do concelho recebem apoio também com outros bens, como o vestuário. À semelhança do núcleo da Cruz Vermelha no Bombarral, aqui também não é esquecido o acompanhamento psicossocial ou o material ortopédico. “A nossa Clínica de Saúde permite-nos chegar a toda a população (do concelho e de fora) com respostas em especialidades que não temos nas proximidades e em casos de emergência social ao nível dos cuidados de saúde primários.”Explica Inês Silva. A mesma responsável, conta ainda que “os números da pobreza têm aumentado devido a problemáticas diferentes, mas tem havido uma preocupação crescente por parte das entidades/instituições em dar mais e melhor resposta à comunidade”.

Quando falamos da tipificação das famílias, mais uma vez são notórias as semelhanças com o concelho vizinho, o que de resto acontece em todo o país. A pobreza extrema atinge sobretudo as famílias monoparentais com filhos menores, cuja formação académica é praticamente inexistente. Também o elevado número de famílias alargadas (avós, pais e netos) e famílias nucleares jovens com filhos, são frequentemente tidos em linha de conta para receberem o apoio da Cruz Vermelha. “Por norma, famílias com baixa escolaridade (escolaridade mínima obrigatória ou menos) são mais susceptíveis de caírem numa situação de pobreza severa. A situação profissional com mais impacto é o desemprego que atira muitas famílias para os trabalhos sazonais, que é uma grande caraterística do concelho.” Refere ainda Inês Silva.


Segundo o Instituto Nacional de Estatística, a estratégia Europa 2020 definiu como objetivo reduzir em 20 milhões o número de pessoas "em risco de pobreza ou exclusão social na União Europeia". Nesse sentido, foi definido um indicador harmonizado que permite avaliar o cumprimento desse objetivo, juntando conceitos de pobreza relativa, privação material e integração no mercado de trabalho. Até 2020 há um imenso trabalho a fazer para permitir a todas as famílias uma prosperidade que se traduza em dignidade. Porque é de dignidade que falamos.



Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Ana Cristina Pinto/ Internet


Artigo publicado no Jornal Região Oeste
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