“Baleia Azul” ou outra forma de dizer: “Preciso de Ajuda!”




“Andamos todos muito focados em coisas e não estamos focados na vida, na riqueza do quotidiano.”


Os 50 desafios do jogo que está a chocar o mundo, já chegaram a Portugal mas tanto quanto se sabe, ainda não chegaram ao Oeste. Baleia Azul, é o nome do jogo macabro inventado pelo russo Filipp Budeykin, de 21 anos, agora detido, que pretende levar para a morte todos os jovens que aceitem jogá-lo.
Os participantes recebem mensagens que envolvem a execução de tarefas como sair de casa às 4 horas da manhã para subirem a pontos altos onde o perigo esteja iminente, a visualização de filmes psicadélicos, cortes em várias partes do corpo entre outros desafios que culminam em suicídio. Começa com uma troca de mensagens em redes sociais como o Facebook ou o WhatsApp e é composto por 50 desafios diários. Os “curadores” ou administradores destes grupos apresentam-se com uma imagem de uma baleia azul e são eles os responsáveis por lançar os desafios. Aqueles que acharem que não estão à altura dos desafios são incitados a “castigarem-se”, cortando-se várias vezes. No final das provas, as “baleias azuis” — como se chamam os jogadores — devem enviar fotos para o “curador”. No desafio número 26, o guardião explica aos participantes qual é a data da sua morte. O desafio seguinte repete-se durante 19 dias e é uma espécie de síntese dos anteriores.
“O que esse jogo faz é reunir um público composto principalmente por adolescentes, que já enfrentam sofrimentos psicológicos que incluem depressão e que estão por isso mais predispostos a arriscar a vida.” Explica Sónia Costa, psicóloga no Agrupamento de Escolas do Cadaval. “O que é preciso questionar é o porquê de tantos jovens se deixarem influenciar por este tipo de jogo ou fora do contexto do jogo, se deixem cair numa espiral de fragilidade emocional que os leva a atentar contra a própria vida. Esta é a pergunta que devemos fazer.” Alerta.
“Pais desatentos, demasiado centrados nas suas ocupações profissionais e descuidados na sua missão de pais é a verdadeira razão pela qual os jovens se sentem hoje tão perdidos.”
Esta é a conclusão a que chegam os professores com quem falámos. Isolamento, dificuldade em fazer amigos, bullying nas escolas, e a falta de atenção da família, deixa o jovem mais predisposto para o jogo da Baleia Azul ou para, se deixar arrastar para depressões. Segundo Sónia Costa, a faixa etária de maior risco é a que enquadra o período de adolescência, entre os 13 e os 17 anos. A psicóloga refere ainda que toda a atenção dada a jovens nestas idades é pouca e deixa aos pais um conselho: “Acompanhem muito os vossos filhos. É importante que eles não procurem fora de casa, a atenção e afeto que lhes falta dentro.”
Jorge e Sérgio Rodrigues, ambos docentes, a falta de tempo para os filhos, de que sofre a maioria das famílias é uma consequência directa da globalização. “ Há hoje, por causa dessa globalização uma maior exigência ao nível laboral que havia nos tempos dos nossos pais e dos nossos avós. Portanto, é normal que os pais não tenham a disponibilidade para os seus filhos que os nossos pais, na nossa adolescência, puderam oferecer-nos, mas é preciso contrariar essa tendência. A globalização trouxe muita coisa boa, mas, o tempo que rouba às famílias é definitivamente uma coisa má.” Referem.
Outra questão que levantámos diz respeito ao modelo de ensino que não sofreu grandes alterações nos últimos 40 anos. Ainda é um modelo que responde às necessidades dos alunos do Sec XXI?
“Não, não é. A escola também tem que mudar. O modelo educativo tem que mudar porque já não acompanha as exigências atuais.” E também aqui, o grupo de docentes com quem falámos, parece estar de acordo.


O jogo "Baleia Azul" começa numa troca de mensagens no Facebook ou no WhatsApp.

Carla Maia, professora de Educação Cívica na Escola Básica e Secundária do Cadaval, conta que o tema “Baleia Azul” já foi abordado numa das suas aulas e que não notou alarmismo nos seus alunos. Também os professores encaram toda a polémica em volta do jogo Baleia Azul, com alguma tranquilidade, confiantes de que, para já, este “jogo” não tem uma expressão preocupante. Todavia, como referimos acima, o grupo de docentes com quem falámos considera preocupantes outros sinais. Comportamentos problemáticos que remetem os jovens para estados mais ou menos depressivos e que de uma maneira ou de outra são prejudicais ao seu saudável desenvolvimento. Nesta escola do Cadaval os professores estão atentos e procuram esclarecer os seus alunos sempre que as perguntas surgem em contexto de sala de aula.
Todavia, se a Baleia Azul é a grande responsável pelos casos de automutilação e tentativa de suicídio de 4 jovens no nosso país, algumas dezenas em países como Brasil, Rússia, Reino Unido, França e Espanha, perderem mesmo a vida e muitos outros há, em que sem a influência deste jogo se deixam dominar por sentimentos negativos e autodestrutivos. O JRO quis saber quais são as motivações dos jovens que enveredam por caminhos que culminam muitas vezes em suicídio.




“Trocou-se o ser pelo ter”


Os vários professores, diretores de turma e psicólogos dos agrupamentos escolares do Bombarral e Cadaval são unanimes em afirmar que a grande responsabilidade pelo vazio que muitos jovens hoje sentem, é da total inversão de valores que prolifera nas sociedades atuais “rendemo-nos ao materialismo. Substituímos os afectos por coisas. Bens materiais não preenchem nem estimulam o amadurecimento emocional dos jovens.”
Andreia Perdigão, psicóloga no Agrupamento de Escolas Fernão do Pó (Bombarral) considera que acima de tudo é preciso levar uma mensagem positiva aos jovens. “Os adultos devem encaminhá-los para actividades que lhes proporcione momentos de prazer e de alegria. Os miúdos de hoje devem comunicar mais. E nós enquanto pais e professores devemos estar mais atentos e disponíveis. Andamos todos muito focados em coisas e não estamos focados na vida, na riqueza do quotidiano. Temos que mostrar aos miúdos que eles não que não têm que estar sempre no auge, sempre a fazer coisas estimulantes, coisas que tenham um grande impacto. É preciso também que eles não sejam tão sobrecarregados com tarefas, com actividades curriculares e extracurriculares. Eles têm que ter tempo para estar com os amigos. Devem fazer uma boa alimentação, dormir bem, devem focar-se mais no presente, serem menos exigentes com eles, permitirem-se falhar também. É preciso que nós possamos reaprender a ter satisfação nas pequenas coisas para podermos ensinar os nossos filhos a fazê-lo. Eles têm de aprender a estabelecer objectivos realistas, sem deixar de sonhar. Somos muito depressivos, muito pessimistas e não estamos a ajudar os miúdos a serem mais positivos se nós também não o formos. Estamos muito focados nas situações de perigo e de medo. É preciso aprender a gerir o stress.” 


Segundo Andreia Perdigão a geração de pais e mães destes jovens, teve uma adolescência mais descontraída porque os pais (hoje, avós) estavam menos focados no perigo. “Estamos a viver um momento em que algo tem que mudar até na própria escola porque não estamos a ajudar os miúdos a crescerem saudáveis. A componente emocional e espiritual foi esquecida e os miúdos não têm espaço na escola para falar das emoções, nem espaço para as trabalhar.” Também Andreia Perdigão defende que o modelo curricular deve ser alterado uma vez que não acompanha as necessidades dos jovens estudantes de hoje. “Um currículo muito pesado do ponto de vista de conteúdos que não deixa espaço para os seus verdadeiros interesses.” Mas há cursos profissionais, frisamos. “Os cursos profissionais que existem e que são parte do caminho a percorrer para que os jovens aprendam aquilo que de facto lhe poderá ser útil na vida adulta, ainda sofrem um estigma muito forte. A maioria dos pais ainda tem uma visão muito deturpada sobre a formação profissional. Existe um grande preconceito em relação a este tipo de cursos o que faz com que os jovens não os escolham ou os representem de uma forma errada. Os cursos profissionais ainda são vistos como cursos para alunos menos dotados, ou para os meninos com problemas de comportamento e os cursos profissionais neste momento não são nada disso. Estes cursos são, sim, uma belíssima resposta do sistema educativo e preenche muito mais esta necessidade de fazer coisas, de fazer coisas com impacto e que lhes façam sentido.”


Na era digital, onde a informação se cruza a uma velocidade vertiginosa, aparentemente nada falta para o saudável crescimento dos jovens.


“Mas não crescem emocionalmente e por conseguinte não sabem lidar com as emoções. Estes jogos; os bullyngs; as automutilações; os estados depressivos; as bulimias; anorexias e outros comportamentos que implicam sofrimento são sintoma de que o jovem em questão não desenvolveu a sua inteligência emocional e espiritual e se sente completamente perdido.”
O que é que nos escapou? “Se calhar é uma perspectiva muito política, mas nós adultos estamos focados no aspecto material e esquecemos o humanismo. Passamos isto para os miúdos. Estamos todos em competição. Competimos uns com os outros para ver quem faz mais ferias, quem tem o melhor carro, quem anda melhor vestido, e às tantas…perdemos o sentido…”

Acha que ainda é possível recuperá-lo? “Acho que sim. Sou uma optimista.”



Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Internet

Artigo publicado no Jornal Região Oeste
www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste

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