Pouco Doce e muita Travessura


A noite de 31 de outubro, é, dizem, das bruxas. Sobretudo na Europa e América, crianças e adultos mascaram-se de fantasmas e outras criaturas imaginárias, esculpem abóboras, pregam sustos e fazem exigências, um “Trick or treat“, doce ou travessura, que é como quem diz: Ou me dás algo com que adocicar a boca ou faço-te “trinta por uma linha”. A moda tem mais expressão nos países anglófonos, mas entre nós, portugueses, tem já muitos adeptos. E todos os anos há mais quem não resista a esta noite de Halloween, que acaba por ser um segundo carnaval para aqueles que não se contentam com os 3 dias de folia. 



Antes do tradicional “Pão por Deus”, na manhã de 1 de novembro, bandos de crianças e também adultos, inspiram-se em filmes de terror, puxam pela criatividade, e envergam as mais horrendas indumentárias, máscaras assustadoras que “dão vida” a bruxas, vampiros, demónios e toda a espécie de almas penadas. O Halloween do “Trick or treat”- “Doce ou Travessura” vem assim substituindo nos últimos anos, os périplos mais inocentes e menos temerários, só destinados aos mais pequenos, que percorriam a vizinhança pedindo o bolinho ou o pão, sempre na esperança de que algumas guloseimas também lhes caíssem no saco.
No Bombarral, o Teatro Eduardo Brazão, abriu as portas de um inferno mais ou menos ao estilo de Dante e mais de uma centena de pessoas de várias faixas etárias percorreram os corredores do edifício, que por coincidência, foi construído sobre um cemitério. (Caixa)

O teatro ficou assombrado, os fantasmas ganharam vida, as bruxas saíram à rua e os vampiros saltaram do caixão. O universo fantástico e paranormal emergiu assim na noite mais assustadora do ano, em que se pregaram partidas e contaram histórias de terror.

A quarta edição da “Halloween Walk 4 Fun”, juntou mais de 600 pessoas numa organização do Clube Desportivo do Bombarral, que contou com a parceria do Teatro Eduardo Brazão e da Escola Básica e Secundária Fernão do Pó. Para tornar a noite ainda mais dinâmica, foi criado um peddy paper, com paragem em vários locais como os Claustros do Palácio Gorjão. Uma noite em cheio que envolveu a comunidade e várias associações como o Clube Desportivo do Bombarral, o Rotary Club, o Run Team, entre outros.

O Halloween é uma nova aquisição cultural mas parece-nos estar já entranhado nas veias dos portugueses. Uma coisa é certa: Cada vez há mais Halloween e menos Pão por Deus num fenómeno a que chamamos de "aculturação". Mas ao contrário do que pensamos, o Halloween não é uma criação americana. Há dois mil anos atrás esta noite tinha outro nome, era o Samhain, uma celebração celta para comemorar o fim do verão e da colheita. Na época, os celtas acreditavam que na noite de 31 de outubro, os mortos voltavam a povoar a terra na forma de fantasmas e os seus familiares deviam deixar-lhes à porta de casa comida e bebida. Entre os vivos, quem se aventurasse a sair à rua, deveria fazê-lo envergando máscaras para passar despercebido.

Só mais tarde a Igreja Católica substituiu o Samhain pelo Dia de Todos os Santos, 1 de novembro. E a véspera (31) tornou-se no "All Hallows Eve", ou seja, noite de todos os santos. Uma tradição que viajou do norte da Europa que tem base cultural celta, para a América, e não o contrário. Tal como em muitos outros festejos celebrados entre os cristãos, também este teve origem numa comemoração pagã que foi depois absorvida pelo catolicismo.





Todavia, sendo celebrações diferentes, há semelhanças entre o “Doce ou Travessura” e o nosso «Pão por Deus», cada vez mais em desuso. 

O Pão por Deus teve origem em Lisboa em 1756 (1 ano depois do terramoto que destruiu a capital). Como o terramoto aconteceu a 1 de novembro, data cujo significado já era religioso, no dia em que se cumpria o seu primeiro aniversário, a população aproveitou a solenidade do dia para desencadear, por toda a cidade um peditório, com a intenção de minorar a situação paupérrima em que viviam.
Esta tradição perpetuou-se no tempo, sendo sempre comemorada neste dia e tendo-se propagado gradualmente a todo o país.

Na região Oeste, milhares de crianças saíram mais uma vez à rua no Dia de Todos os Santos para pedir o «bolinho» ou o «Pão por Deus», uma tradição antiga que chegou a ser extensiva a todo o território nacional, e que vai buscar os seus princípios ao Cristianismo. Trata-se pois, de expressar a solidariedade e o amor pelos outros, principalmente pelas crianças.


Não é de estranhar que cada vez se ouça menos pedir «o bolinho», o «Pão por Deus» ou o «santorinho». Estas expressões que se têm vindo a perder nos últimos anos, têm o mesmo significado. O espírito de solidariedade, que marcava do Dia de Todos os Santos noutros tempos, está a desaparecer, assim como a confraternização entre vizinhos. Noutros tempos, em que a fome apertava, este era o dia das crianças tirarem a barriga da miséria, recordam os mais velhos. 

Embora reconhecendo algumas alterações, sobretudo a substituição do pão e do bolinho por doces ou dinheiro, a explicação para esta mudança pode ser encontrada no comodismo das pessoas, que já não fazem bolinhos em casa, ou no materialismo deste séc.XXI que ajuda a projetar um Halloween alegre e arrojado que já não nos lembra a pobreza de outros tempos, ao contrário, remete-nos para um período de abundância, uma época em que, (queremos muito acreditar) nada nos falta, nem mesmo as criaturas infernais que no resto do ano vivem apenas no nosso imaginário.



Texto: Ana Cristina Pinto
Fotografia: Ana Cristina Pinto

Artigo publicado no Jornal Região Oeste
www.facebook.com/JRO-Jornal-Região-Oeste


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