Foto de Perfil - D. José Traquina, Bispo de Santarém

“Que sentido faz celebrar o Natal se não se celebra quem nasceu? Este Natal que se vive hoje, sem celebrar Jesus é um Natal vazio.” 




José Augusto Traquina Maria, de 63 anos é natural de Évora de Alcobaça, e foi ordenado Bispo a 1 de junho de 2014, numa celebração presidida pelo cardeal-patriarca D. Manuel Clemente, após receber nomeação do Papa Francisco. O agora terceiro bispo da diocese scalabitana lidera uma instituição com cerca de 3 mil quilómetros quadrados, envolvendo 13 dos 21 concelhos do distrito, num total de 7 vigararias e 113 paróquias. 

Começou a trabalhar no ramo comercial, numa loja de pronto a vestir, e entre os 21 e os 22 anos cumpriu o serviço militar na Escola Prática de Cavalaria, situada precisamente em Santarém, diocese de que se tornou responsável a 25 de novembro deste ano. 
Enquanto sacerdote foi responsável pela vigararia Cadaval-Bombarral e esteve ainda ligado ao movimento escutista. Atualmente D. José Traquina faz ainda parte da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana. 

Numa manhã de Dezembro que antecede o aniversário de Jesus, D. José aceitou percorrer connosco os longos e silenciosos corredores do Paço Episcopal de Santarém para nos dar a conhecer o homem por detrás das vestes litúrgicas. 

Em que momento do seu percurso é que percebeu que o seu caminho teria que passar pelo sacerdócio? 


Depois do Maio de 68 houve uma enorme crise vocacional na Igreja. Muito padres estavam na época a abandonar o ministério e muitos seminaristas abandonavam os seminários. Eu estava ainda em Alcobaça quando me apareceu um Padre do Seminário de Almada, que pediu a cada padre das paróquias que arranjasse 2 jovens para formar um grupo vocacional. O meu prior, que ainda é vivo, o Padre Agostinho Salvador falou então comigo e com outro rapaz (curiosamente é hoje piloto aviador nos Estados Unidos da América) e formamos assim um grupo de formação cristã cujo objetivo era interpretarmos a realidade social em que vivíamos. E foi realmente na Igreja que eu ganhei sensibilidade para ler o mundo em que vivo. 

E até aí que papel é que a Igreja tinha na sua vida? 

Tinha um papel importante. Desde a infância que eu ia à missa todos os domingos, o Natal e a Páscoa eram épocas sempre celebradas de acordo com os valores cristãos, e fiz todo aquele percurso da catequese, 1ª Comunhão, Crisma...mantive sempre esse ritmo. Era um cristão, católico, tinha fé. Mas não tinha nenhum horizonte especial à minha frente. Não imaginava na altura que a minha vida seria esta. Só depois, eu tinha uns 19 anos, o padre que me acompanhava nesse grupo de formação cristã escreveu uma carta em que descrevia o meu perfil dizendo que achava que eu devia aprofundar algumas qualidades que já tinha, como a sensibilidade e a minha capacidade de observação, e pela primeira vez foi abordado mais a sério o tema “Seminário”. Na altura não fez muito sentido para mim, porque eu tinha outros planos. 

Que planos eram esses? Desejava casar, por exemplo? Constituir família? 

Ah, sim! Completamente. Nessa altura era isso que eu queria. Tinha um emprego, trabalhava, e eu pensava no mesmo que os outros rapazes da minha idade: Casar e ser pai. Portanto, e apesar de sentir que tinha aprendido muito com igreja, respondi que não. Não iria para o seminário. Apesar de tudo, ele convidou-me para fazer uma visita ao seminário de Almada e estive lá uma semana com outros rapazes do Oeste. Mesmo assim, não fiquei convencido, continuei no grupo, mas declinei o convite para ingressar na vida religiosa e ele respeitou a minha decisão. 


O que é que o fez mudar de ideias? 

Bom, a verdade é quando vim iniciar o meu serviço militar aqui em Santarém, sentia-me muito sozinho. Não conhecia aqui ninguém. Perguntei então ao padre que nos dava missa no quartel, se haveria por aqui alguém, algum grupo onde eu pudesse encontrar alguma companhia e ele sugeriu-me que poderia conversar um pouco com os padres do seminário e assim fiz.  Entretanto conheci um grupo de religiosas que eram as Servas de Nossa Senhora de Fátima que estavam espalhadas no Oeste e que tinha aqui a Casa Mãe. Elas tinham um grupo de oração que reunia com pessoas de fora e eu comecei a frequentar. Depois ingressei num grupo de teatro aqui da paróquia. Entretanto, o meu serviço militar estava no fim e comecei a questionar o que iria fazer depois, qual era o sentido da minha vida, qual era a minha verdadeira vocação. Lembrei-me então daquele convite anterior para ingressar no seminário e questionei tudo. Foi dos momentos mais dolorosos da minha vida. 

Ou seja, foi nessa altura que colocou nos pratos da balança o seu regresso à vida anterior, o regresso ao seu trabalho no comércio, namorar, casar, ter filhos, e o seu ingresso na vida religiosa... 

Sim. Foi nessa altura. Resolvi então aparecer ao padre que antes me tinha convidado para o seminário e coloquei a hipótese de aceitar então o convite. Ele, obviamente quis saber porque é que eu tinha mudado de ideias, o que é que me tinha levado a mudar de ideias. Não se vai para o seminário depois de um desgosto amoroso, não se vai para o seminário para fugir de um problema ou para lidar com uma experiência negativa...Tinha havido oração ou frustração? 

Já se tinha apaixonado nessa altura? 

Não nessa altura, mas já me tinha apaixonado anos antes. Por isso havia aqui uma questão séria que era preciso ponderar. 

Então, o que fez depois? 

Bom, passado um mês fui falar com o Reitor, disse-lhe que era candidato. Curiosamente, na mesma altura o meu comandante de esquadrão diz-me que me quer convidar para a Academia Militar e eu respondo-lhe que já decidi a minha vida e que vou para o seminário. Como é evidente, ele ficou muito espantado com a minha decisão, inicialmente até duvidou que eu estivesse a falar a sério, mas depois lá aceitou e eu ingressei na vida que levo até hoje. 

E como é que a sua família lidou com a sua decisão? 

Houve algumas lágrimas. Todavia, eu na altura ainda não tinha feito promessa nenhuma. Tinha apenas a vontade. Mas claro que competia à igreja confirmar se a minha vocação era verdadeira ou não. 

E alguma vez, no seu percurso, sentiu que o José Traquina, o homem, o ser humano, ficou perdido algures antes de entrar no seminário e sentiu pena de já não poder recuperá-lo para casar, ter filhos? 

Eu acho que tive a graça de conviver com padres que nunca me esconderam nada acerca das alegrias e dificuldades da vida sacerdotal. Entrei neste caminho por ver que podia ser feliz aqui. A certa altura, não constituir família, permite-nos sermos familiar de todos. Essa relação aberta com todos faz-me sentir muito bem nesta caminhada. No Bombarral por exemplo, estive 15 anos e fui muito feliz na relação que construiu com as pessoas. 

Já é tempo de a Igreja aceitar que os padres possam casar? 

A igreja ocidental tem uma tradição de padres celibatários. Não é fácil para a Igreja esquecer-se desse património espiritual. Quando pensamos que a Igreja chegou a tantos pontos do globo graças precisamente ao celibato dos padres missionários...repare, um padre com uma família não poderia fazer isto... O que se passou em Portugal com as ordens religiosas, o património que temos dos jesuítas, franciscanos, dominicanos, os cistersienses...deve-se aos padres celibatários. 

Mas hoje os tempos são outros, já não é preciso correr o mundo para evangelizar... 

Bom, a Igreja Oriental permite o casamento entre os padres, portanto, se amanhã o Papa entender que o casamento no sacerdócio é possível, não está a inventar nada. 

Mudando de assunto, tem boas recordações dos seus 15 anos no Cadaval e Bombarral? 

Eu tenho muita facilidade no relacionamento humano e quando estive no Bombarral e no Cadaval fiz sempre questão de estar disponível para as pessoas. Isso levou-me a construir uma excelente relação com elas. As pessoas correspondiam. Tive sempre uma resposta de grande generosidade em relação ao que era preciso fazer. Aprendi imenso com todas as pessoas. No Bombarral aprendi o interesse por todas as famílias independentemente se rezavam o credo ou não. Aconteceram cenas muito bonitas, quer no Bombarral quer no Vale Covo. Senti sempre que as pessoas se envolviam nos problemas de quem precisava de ajuda. No Cadaval fiz um trabalho pastoral mais pontual, mas lembro-me sempre das pessoas do Peral, Vermelha, Dagorda, Alguber, Painho, Figueiros, Vilar, Lamas...encontrei por lá pessoas muito sensíveis e acolhedoras. Gente muito boa que nunca esqueço e que está sempre nas minhas orações. 


Sei que a música é muito importante para si. É uma forma de se comunicar com Deus? 

A música para mim é a expressão mais nobre do ser humano. É preciso não esquecer que as páginas dos evangelhos e a tradição litúrgica da Igreja inspiraram grandes artistas! Desde arquitetos, escultores, pintores e também grandes compositores. Toda a envolvência numa Igreja, toda a arte que podemos ver e ouvir traz-nos uma grande elevação e a música em particular tem essa faculdade de aproximar as pessoas. Além disso, para mim é uma cura para um dia de cansaço, pegar na viola e tocar uma balada, por exemplo. 

O Natal tem vindo a perder o sentido? O que é que está a acontecer aos cristãos para terem trocado o nascimento de Jesus, que é afinal a verdadeira razão para o Natal, por um boneco criado para incentivar ao consumo? 

Eu penso que uma coisa é acharmos graça às luzes, ao brilho da época, e até a esse boneco, o Pai Natal. Outra coisa é perdermos a capacidade da contemplação que esta quadra proporciona. Nos bonecos e nas luzes, nos presentes, não há profundidade. Nada disso nos toca verdadeiramente. Um menino, uma criança toca. 
O Menino é nada menos que o símbolo da vida, do amor e da esperança. Que sentido faz celebrar o Natal se não se celebra quem nasceu? Este Natal que se vive hoje, sem celebrar Jesus é um Natal vazio. Desejo que neste Natal a celebração da vinda de Jesus ao mundo e a Sua vida seja um apelo à bondade do coração. Precisamos de rever a vida. Precisamos de ser mais justos, precisamos de perdoar. 



Melhor Qualidade- Gosto pelo trabalho 
Pior Defeito- Dificuldade em gerir o tempo 
Musica Favorita- Clássica 
Local de férias favorito- Serra da Estrela e Marvão 
Melhor refúgio- A leitura e a oração 
Felicidade é... A alegria permanente de nos sabermos amados


Fotografia: Margarida Silva
Entrevista: Ana Cristina Pinto
Foto de Perfil é uma rubrica do Jornal Região Oeste
Artigo publicado no Jornal Região Oeste

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